Título: Verdadeira mudança
Autor: Ubiratan Iorio*
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, Outras Opiniões, p. A15

Enquanto o governo acusado da maior corrupção de nossa história, embora moribundo, mas sem perder a arrogância e a ''histórica'' pose de bonzinho, entre diversas manobras diversionistas e várias tentativas de atrasar processos de cassações de velhos companheiros, entre um manifesto defendendo o ex-capo Dirceu, assinado por intelectuais que pensam - se é que conseguem fazê-lo! - que os que deles discordam formam um exército de bobocas e uma inadmissível alienação do presidente, que merece ser analisada por um bom psiquiatra, a economia do país - que poderia perfeitamente estar crescendo a 6%, 7% ao ano e com menores desigualdades -, permanece praticamente paralisada, refém de exportações que, punidas por uma natural desvalorização do dólar, pela febre aftosa e por um ''custo Brasil'' de enlouquecer quem quer que tenha livre iniciativa, mais parece um embriagado que, voltando de uma festa, dá dois passos em direção à sua casa e mais dois no sentido oposto...

É triste, é lamentável, é revoltante que um país com tantas potencialidades em termos de oportunidades de investimentos esteja há mais de duas décadas caminhando em círculos, sem saber para onde vai. A causa clara, claríssima, uma esquerdopatia crônica e aparentemente incurável, cujo efeito primário e mais do que natural, é o inchaço do Estado, absolutamente na contramão da racionalidade aritmética e infinitamente distante dos reclamos do mundo moderno e cujos efeitos derivados são uma carga tributária revoltante e sem passagem de volta para os espoliados contribuintes, taxas de juros nominais e reais que são as maiores do mundo, mas que, caso sejam empurradas a marteladas para baixo mais do que dois ou três pontos, poderão deflagrar a volta da inflação, encargos sobre a mão de obra que ultrapassam o zênite do bom senso, uma legislação trabalhista que perpassa o nadir do atraso, de causar orgulho a Benito Mussolini. Mais de 80% da poupança privada doméstica usada para financiar o Estado, um sistema previdenciário ineficiente, corrupto e sempre quebrado, um sistema de saúde doente, um sistema educacional ignorante, centralizado e medíocre e muito, muito mais. O Estado é hoje um ente falido - embora muito bem pago - e seus três poderes desacreditados pela parcela razoável da população que, mesmo sem muita instrução, sabe ouvir o sopro das trombetas que soam a triste melodia da anomia social, semelhantes àquelas captadas por São Paulo, quando escreveu aos Coríntios que, quando o som emitido pelas trombetas é incerto, ninguém se prepara para o bom combate, que é o da produção gerada pela poupança e pelo trabalho duro e movida pela verdadeira esperança.

Afinal, onde vamos parar? O que pretendem nossos homens públicos? O que pensam que somos, simples massa de manobras eleitoreiras? E no próximo ano, quem será o novo ''salvador da pátria'' que se apresen tará, destinado a afundar mais ainda o país?

Em recente debate promovido pelo JB, concordei inteiramente com o jurista Célio Borja - homem de experiência vastíssima, saber comprovado e conduta moral inatacável - quando declarou peremptoriamente que precisamos, antes de qualquer outra coisa, fazer uma reforma constitucional, que denominou de lipoaspiração. Com efeito, nossa obesa carta é um exemplo direto de patologia esquerdopata, inspirada na Constituição Portuguesa promulgada após a Revolução dos Cravos. É uma Constituição de entitulamentos, como a denominaria o sociólogo Ralf Dahrendorf. A lipo consiste em retirar as suas inúmeras esquerdices, aquelas maluquices explícitas que, sempre em nome de um ''social'' permanentemente vago, cria e procria custos, sem qualquer preocupação com receitas. Nossos irmãos portugueses reformaram sua lei maior, mas nós permanecemos no mundo do faz-de-conta construído por nossos constituintes.

Estou absolutamente convencido de que, sem uma lipoaspiração de fôlego, sem um verdadeiro federalismo e sem uma reforma política calcada em ambos, a economia não conseguirá produzir o que dela todos esperamos, porque uma economia de mercado é incompatível com uma Constituição e um sistema político como os nossos, que são a negação da liberdade de escolha, comprovadamente o maior dos insumos para o progresso. Esta será a verdadeira mudança, muito diferente da que foi pintada por Duda Mendonça.

*Ubiratan Iorio escreve às segundas-feiras no JB