Título: Nepotismo nos olhos dos outros
Autor: Celso Limongi*
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, Outras Opiniões, p. A15
O Conselho Nacional de Justiça proibiu a prática do nepotismo em todo o Poder Judiciário brasileiro e determinou o afastamento dos parentes de magistrados contratados sem prestação de concurso público num prazo máximo de 90 dias.
A medida atendeu a pedi dos da Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho e do conselheiro Paulo Lobo, representante da Ordem dos Advogados do Brasil no CNJ. O impedimento para contratação de familiares se aplica até o terceiro grau de parentesco.
Aplaudida pela magistratura de todo o país, imagino eu, a determinação é uma luta antiga também da Associação dos Magistrados Brasileiros, que em suas propostas ao texto da Lei Orgânica da Magistratura encaminhado no ano passado à Comissão Especial da Câmara dos Deputados, defendia o fim da contratação de parentes de juízes e desembargadores em todos os tribunais.
Em São Paulo, a prática já é proibida há quatorze anos, quando foi promulgada, por iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado, a Lei 7.451, em 19 de julho de 1991. Diz o seu texto em parágrafo único: ''vedada a nomeação de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3° grau, inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de São Paulo''.
Na Justiça Federal, desde 1996, outra lei, a 9.421, proíbe o nepotismo também até o terceiro grau, mas sem prever punições ou exigir a exoneração dos familiares que já trabalhavam antes da sua promulgação. A decisão do Conselho antecipa, ainda, os objetivos de Proposta de Emenda à Constituição que tramita no Congresso Nacional em resposta às já citadas reivindicações de entidades representativas da magistratura.
O Conselho Nacional do Ministério Público, irmão gêmeo do CNJ, aprovou resolução com prazo de 60 dias para exonerar familiares de procuradores e promotores de justiça, na União e nos estados. Nascidos sob a égide da polêmica por se dedicarem ao controle externo das condutas de juízes e promotores, os conselhos avançam sobre um caminho já pavimentado por ambas as carreiras na direção da ética, do bom senso e da moralidade pública.
O combate ao nepotismo não é nenhuma novidade. Acabar com esta prática é uma luta tão antiga quanto os anseios pela reforma constitucional do Poder Judiciário. Não é de hoje que cortamos na própria carne, afastando e mandando prender colegas infratores, abrindo mão de prerrogativas da carreira na reforma da Previdência, e até submetendo-se à decisão soberana do Legislativo em vários pontos da do Judiciário.
Em São Paulo, além da Lei 7.451/91, o Tribunal de Justiça editou resolução interna impedindo a chamada contratação cruzada, em que um magistrado contrata um parente de outro, e determinando a exoneração dos familiares contratados sem concurso público.
Resta à magistratura, ao Ministério Público e à sociedade em geral esperar, em nome do bom senso, que o mesmo Poder Executivo que encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de reforma que criou os conselhos nacionais, assim como ao próprio Legislativo que a aprovou, a mesma atitude, proibindo a prática do nepotismo em suas repartições.
Afinal, não faltaram notícias na imprensa, quando da posse do atual governo federal, sobre contratações ''cruzadas'' de esposas de ministros para trabalharem nos gabinetes de outros; ou das inúmeras contratações de parentes do ex-presidente da Câmara dos Deputados, que renunciou ao cargo e ao mandato surpreendido em aparente falta grave contra o decoro parlamentar.
Da mesma forma que não faltam notícias também muito parecidas à prática do nepotismo, como o pagamento com verbas públicas de passagens aéreas para esposas de ministro, dirigente partidário, e de filhos, seus amigos, e noras do próprio presidente da República.
*Vice-presidente da Associação de Magistrados Brasileiros e presidente da Associação Paulista de Magistrados.