Título: ''Há jogo de cena nos embargos''
Autor: Juliana Wilk
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, Economia & Negócios, p. A19

O diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Antônio Camardelli, considera ¿um exagero¿ as restrições impostas por 47 países à carne brasileira, após o ressurgimento da febre aftosa nos rebanhos do país. Para ele, em alguns casos, as barreiras sanitárias estão sendo usadas como proteção comercial. Mas aposta que o país terá argumentos suficientes para derrubar os embargos e recuperar a credibilidade no mercado internacional. Para o Mato Grosso do Sul, onde se confirmaram 11 focos, porém, a suspensão das exportações deve ocorrer somente em 12 meses, acredita o especialista.

A expectativa era de que a ação rápida do governo em comunicar os focos amenizasse a reação dos compradores. Por que isso não ocorreu? ¿ O governo cumpriu as 24 horas legais depois dos resultados laboratoriais. Por isso eu digo que há muito jogo de cena. As informações foram dadas, as medidas técnicas foram tomadas e o Brasil não arredou um pé do que determina o código sanitário internacional. Agora, é importante que se comece a processar o retorno a alguns mercados para que os demais possam ver que as garantias são, de fato, seguras.

Já é possível prever o prejuízo provocado pelo embargo? ¿ Não, porque precisamos dos dados de outubro para ter um parâmetro de quanto cada país deixou de comprar, qual foi o baque e, então, fazer uma previsão para os meses seguintes. A perda de mercado é a conseqüência final do episódio. Acontece uma desarrumação no processo de compra e venda. Tem produto devolvido, contrato cancelado. Tudo gera uma expectativa negativa para a indústria, que se vê obrigada a mexer no seu ciclo operacional, diminuindo abates, por exemplo.

No episódio Rússia, ano passado, foram necessários quatro meses para a retomada das relações comerciais. E o foco nem era em estado exportador. Pode levar mais tempo agora? ¿ As reações são muito peculiares a cada país. Uns precisam mais do produto do que outros. Vai depender de como cada país vai receber as informações. Há países que adotam como critério de proteção o fechamento total para, depois, com as informações em mãos, restringir a restrição fica só para a área do foco. Outros países fazem um fechamento eminentemente político, já que não existe o problema em outros estados, como é o caso do Chile, que embargou todo o Brasil. É uma forma de se usar barreiras sanitárias para criar proteção comercial ou privilegiar outros países.

Como devem ficar os preços no mercado interno? ¿ É cedo para saber. Há num novo modelo de produção no campo que determina uma adequação do processo de compra e venda. Tudo isso e mais os focos de aftosa levaram a uma redução de oferta. Alguns cortes para o exterior deverão ter seus preços aumentados. Os frigoríficos não deverão trabalhar com a quantidade de abates de antes. Só aí poderemos ver como vai ficar o rearranjo entre mercado interno e externo.

Quanto tempo deve demorar para que o Brasil recupere a credibilidade? ¿ A julgar pelo caso de foco na Argentina, o Mato Grosso do Sul ficará um ano sem exportar para a União Européia, nosso maior comprador. Em outros estados, ainda não sabemos.

Sem a aftosa, qual era a previsão do mercado para 2006? ¿ Tudo estava caminhando rapidamente para bater o recorde do ano passado. Assim, poderíamos traçar uma estratégia para que as exportações se traduzissem não só em volume, mas também em dinheiro. Não adianta ser campeão em volume. E essas estratégias estão prejudicadas.