Título: Declaração final acirra conflitos
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2005, Internacional, p. A7
Representantes de 34 nações que participam da IV Cúpula das Américas discutiram ontem sem avanços cada parágrafo do documento final que será assinado pelos chefes de Estado no sábado. O encontro está em contagem regressiva para a chegada dos dignatários, na quinta-feira, mas muitos pontos continuam sem consenso, como a sugestão da Venezuela de citar na declaração os 37 milhões de pobres dos Estados Unidos. A metodologia do trabalho conta com certos códigos, como o uso da tipografia em itálico para temas acordados e de colchetes para destacar sugestões de países participantes ainda não aprovadas. No parágrafo com o subtítulo ¿Crescimento com emprego¿, por exemplo, aparece em itálico que ¿96 milhões de pessoas vivem na pobreza extrema¿ na América Latina e no Caribe. A frase fora sugerida pela delegação americana. Em colchetes, a resposta venezuelana: ¿enquanto nos EUA são 37 milhões de pobres¿.
A passagem é exemplo da disputa política que ronda o documento. O Ministério das Relações Exteriores argentino, inclusive, não descarta a possibilidade de a tentativa de contemplar diferentes interesses seja em vão. Segundo diplomatas, é provável que ¿se eleve o nível de abstração¿ na redação, o que implicaria em uma declaração vaga.
Segundo comunicado oficial dos representantes reunidos no Salão Real do Hotel Costa Galana, em frente à Praia Grande, no balneário argentino, foi formado um grupo menor para analisar ¿parágrafos específicos¿.
Houve divergências sobretudo em relação à Alca (Área de Livre Comércio das Américas), aos subsídios agrícolas e ao papel do Estado na luta contra o desemprego. O trabalho é tema central da reunião, apesar de os EUA pressionarem para a retomada das negociações do bloco econômico. Os delegados americanos, já famosos por não abandonar por um minuto sequer o encontro, estão tentando incluir no texto algum tipo de compromisso com a Alca nos termos desejados por Washington.
¿ A Cúpula é uma oportunidade para impulsioná-la ¿ disse o secretário de Comércio americano, Carlos Gutierrez.
Os países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), apoiados pela Venezuela, concordam que a Alca só é interessante se houver o livre acesso a seus produtos e as potências reduzirem ou eliminarem os subsídios agrícolas, que chegam a US$ 300 bilhões anuais.
¿ Não haverá uma indicação precisa sobre as próximas reuniões de ministros de Comércio, mas será reconhecido o aporte da Alca à integração quando as nações desenvolvidas reduzirem os subsídios agrícolas ¿ disse um representante sul-americano. ¿ Foi falado em abril de 2006 ou outra data no primeiro semestre para a discussão da iniciativa que começou em 1994, em Miami, quando o presidente era o Bush pai, mas a idéia não prosperou.
Para Chávez, o governo americano está tentando chantagear os representantes da cúpula para trazer de volta o debate em torno do bloco:
¿ O governo dos Estados Unidos está se esforçando para reviver a Alca. Independentemente do documento final, estamos em batalha ¿ disse. ¿ Mas estou confiante de que a cúpula servirá para enterrar definitivamente a idéia ¿ acrescentou.
Os EUA, em contrapartida, rejeitaram parágrafos que mencionam políticas de Estado para gerar emprego e dinamizar a economia, defendendo a liberdade de comércio.
¿ O confronto Norte-Sul se mantém vivo e no fim haverá consenso para um texto sem definições categóricas, mas o êxito político da cúpula será o de ter instalado no continente a discussão sobre a luta contra a desemprego e a pobreza ¿ disse um diplomata do Mercosul.
Os delegados sul-americanos destacaram que 220 milhões de pessoas vivem com menos de US$ 2 por dia na América Latina. Outros 80 milhões, com menos de US$ 1, segundo a Comissão Econômica para a América latina (Cepal).
Os representantes concordaram que a declaração deve apontar a necessidade de ¿uma distribuição eqüitativa do rendimento do crescimento econômico¿. A reunião de ontem firmou, ainda, o compromisso com o combate à discriminação contra mulheres, indígenas e negros, assim como para abolir o trabalho infantil.