Título: ONU complica situação de Assad
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/11/2005, Internacional, p. A8
O presidente sírio Bashar al Assad sabe que deve evitar a todo custo um potencialmente desastroso embate com as Nações Unidas - mesmo que isso signifique agir contra os poderosos membros de seu círculo mais próximo. Porém, mesmo tal sacrifício poderia ampliar seus problemas em casa, já que o presidente nunca dominou de fato o aparato político, militar e de segurança herdado do pai, Hafez al Assad.
As opções estão se esgotando para o jovem líder sírio e ficaram menores depois da decisão unânime do Conselho de Segurança determinando que Damasco cooperasse com a investigação da ONU sobre o atentado que matou o ex-primeiro ministro Rafik al Hariri, em fevereiro. No relatório entregue ao secretário-geral Kofi Annan os investigadores se queixaram de que o governo sírio atrapalhou o quanto pôde, apesar de em público ter sempre jurado o contrário. O que se exige agora é que Assad coopere inteiramente, inicialmente prendendo e interrogando o próprio irmão, além de um cunhado. E eventualmente os entregue à uma corte internacional.
- É um grande teste para Assad - confirma Murhaf Jouejati, analista do Middle East Institute, em Washington.
No original entregue a Annan, o chefe do inquérito, Detlev Mehlis, apontou Maher al Assad e o cunhado do presidente, Assef Shawkat, como suspeitos. A versão oficial suprimiu as menções, ainda que Shawkat também aparecesse envolvido na tentativa de encobrir os culpados.
- Bashar al Assad deve desistir dos pilares que sustentam seu regime e ceder à investigação de Mehlis? Ou preservar sua família e enfrentar a ira da ONU? - pergunta Jouejati.
Maher comanda uma unidade militar chave, enquanto Shawkat dirige a inteligência militar, o mais alto posto na Síria. Diante disso, Assad pode se mostrar sem força ou incapaz de mexer com ambos, entrando em rota de colisão com a ONU e abrindo a porta para sanções futuras.
Há, no entanto, uma brecha. Patrick Seale, biógrafo britânico de Hafez al Assad, crê que o líder sírio ainda pode converter crise em oportunidade.
- Pela primeira vez desde que assumiu o poder em 2000, ele tem a chance de impor sua autoridade e emergir como o real mandatário do país - afirma. - A escolha é clara: ou continua a jurar que a Síria é inocente ou reconhece que erros foram cometidos e começa um expurgo na cúpula da segurança - completa.
A primeira opção poderia condená-lo ao isolamento internacional e às sanções.
- Um país desestabilizado poderia então ser vulnerável às tentativas de mudança de regime. Ao se afastar dos assessores, Assad obteria apoio dentro e fora do país, mas precisaria mostrar coragem e audácia política - acrescenta Seale.
O presidente sírio, que goza de muito prestígio no Líbano, no Iraque e entre os palestinos, poderia ainda aproveitar a chance para finalmente deslanchar as reformas que protela há anos.
- O que Assad poderia fazer é abrir concessões à sociedade, à atuação de organizações de direitos civis. Com isso o sistema teria maior participação política - acrescenta o analista Murhaf Jouejati. - Ele está em apuros como nunca. Pode ser a última oportunidade - diz.
Num esforço para conter o dano, o presidente ordenou que um comitê abrisse investigação contra os suspeitos de envolvimento na morte de Hariri. Também procura apoio entre os países árabes, mas Egito e Arábia Saudita, ambos indignados com o assassinato de Hariri, rejeitaram.
Fontes dos EUA disseram ter advertido Bashar al Assad para seguir a ''Opção Kaddafi'', em alusão ao líder líbio que se reaproximou do Ocidente. Tido como terrorista, Kaddafi abandonou publicamente seu programa de armas não convencional e está pagando indenização às vítimas de atos cometidos por seus agentes. Jouejati afirma que Washington não pode deixar Assad fora de ação. Não importa as acusações, é importante não permitir que a guerrilha sunita continue a receber reforços pela fronteira. Talvez por isso, a Casa Branca ainda não discuta uma ''mudança de regime'' em Damasco.