Título: As mudanças na cara do Brasil
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 03/11/2005, País, p. A2

A mais extensa e intensa crise política da República foi também a primeira a não registrar, nos trabalhos de parto, as impressões digitais da oposição. Fruto de um triângulo pervertido - o governo, o PT e a turma da "base aliada" -, a criatura nasceu nos subúrbios do Planalto e cresceu no interior do governo. Ajudaram a alimentá-la descobertas feitas pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pela imprensa. Mas as CPIs (e, com elas, os oposicionistas) só chegaram quando a coisa já andava com as próprias pernas. Perto de completar seis meses de estrondos quase diários, a grande crise de 2005 fez estragos de bom tamanho - e provocou alterações agudas na paisagem política. Mudaram o governo, os partidos, o Congresso (sobretudo a Câmara). Mudou (para pior) o comportamento do Poder Judiciário. Mudou (para melhor) o jeito brasileiro de olhar a corrupção. O país tão cordial cansou-se da impunidade de larápios federais.

É falsa a sensação de que tudo vai dar em nada. Já deu em muito, como informa a contagem parcial dos mortos e feridos. Foi implodido o "núcleo duro" formado por três superministros. José Dirceu teve de trocar o latifúndio da Casa Civil por um gabinete de deputado que a Câmara pretende confiscar-lhe. Luiz Gushiken, hoje ministro do Nada, é uma sombra do antigo senhor de todas as verbas publicitárias, um vestígio do patriarca dos fundos de pensão.

Restou Antônio Palocci, no momento convalescendo de escoriações generalizadas (decorrentes de denúncias disparadas não por oposicionistas, mas por ex-assessores). Continua bem com Lula, mas o presidente agora tem outros ministros de estimação. Encarregado da articulação política, o ministro Jacques Wagner subiu de cotação depois da eleição na Câmara. Também é muito ouvido o ministro da Justiça. Para quem lida com casos de polícia, nada melhor que ter por perto o criminalista Márcio Thomaz Bastos.

A crise deixou sem emprego o secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, o presidente da Casa da Moeda, o chefe de gabinete do ministro da Fazenda, o presidente do Banco Popular, quatro diretores do Banco do Brasil, quatro do Instituto de Resseguros do Brasil, o procurador-geral da Fazenda, três diretores de Furnas, dois do INB, um da Embratur, quatro da Eletronuclear e 15 dos Correios, incluído o presidente.

No PT, José Genoino renunciou à presidência, Sílvio Pereira licenciou-se da secretaria-geral, o tesoureiro Delúbio Soares foi expulso. Outros partidos tiveram a cabeça decepada. Roberto Jefferson, que desencadeou a crise, deixou o comando do PTB semanas antes de se tornar o primeiro degolado pela cassação.

Waldemar Costa Neto, que renunciou ao mandato, continua pendurado na presidência do PL, mas enfraquecido por ter liderado o bloco dos desertores. (O segundo seria o ex-bispo da Igreja Universal e agora ex-deputado Carlos Rodrigues, também do PL). O presidente do PP, Pedro Correia, permanece na fila dos condenados (ao lado do líder da bancada, José Janene). Alcançado pelo valerioduto que funcionou em Minas nas eleições de 1998, o senador Eduardo Azeredo renunciou à presidência do PSDB.

Por cobrar "mensalinhos" do dono do restaurante no Congresso, Severino Cavalcanti foi expelido da presidência da Câmara. Por receber favores pecuniários do amigo Marcos Valério, seu antecessor João Paulo Cunha caminha para o cadafalso. O PFL expulsou o deputado João Baptista Ramos da Silva, bispo evangélico pilhado num jatinho com sete malas de dinheiro. Está representado na turma da guilhotina pelo parlamentar mineiro Roberto Brant.

Não é pouca coisa. Mas o Brasil exige muito mais. E pede ao Supremo Tribunal Federal que pare de adiar o julgamento dos parlamentares de estimação.