Título: Alca torna consenso distante
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/11/2005, Internacional, p. A3

A inclusão da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) na declaração final da 4ª Cúpula das Américas, a ser assinada por 33 chefes de Estado americanos, no sábado, acirrou a disputa entre os negociadores do texto, dividindo-os em três grupos. Por outro lado, o presidente americano, George Bush, parece ter aceitado que a discussão dificilmente terá êxito no âmbito hemisférico, apostando suas fichas na rodada da Organização Mundial do Comércio (OMC), que acontece em dezembro, em Hong Kong.

Um primeiro grupo encabeçado pelo México propõe incluir uma data no texto para lançar as negociações; o segundo, liderado pelo Mercosul, deseja apenas mencionar a Alca no documento, mas sem pôr nenhum tipo de prazo; o terceiro, liderado pela Venezuela, está a favor de omitir qualquer menção às negociações do bloco, disseram embaixadores.

- O México propôs destacar o papel do livre comércio e colocar a Alca como exemplo para facilitar o trabalho em melhores condições e sugeriu como data junho de 2006, para continuar as negociações - afirmou o embaixador argentino Victor Hugo Barski, para quem o parágrafo sobre a questão ''é, no momento, uma soma de diversos parênteses''.

Outro participante, Tavares Nunes, chefe da divisão Alca da chancelaria brasileira, explicou que, no Mercosul, há uma ''reflexão sobre se esse caminho é o indicado'':

- Não queremos matar a Alca, e sim ver se pode ser mais pragmática - ponderou.

A Venezuela, que lidera a oposição ao bloco e já chegou a sugerir a Alternativa Bolivariana das Américas (Alba) ''pediu a busca por algo mais novo que a Alca, com inclusão social'', informaram negociadores.

Segundo o delegado brasileiro, ''há grupos no Brasil que não apóiam a Alca, mas o governo fez esforços e o processo se revelou mais difícil do que parece''.

O secretário de Comércio dos EUA, Carlos Gutiérrez, por sua vez, lançou uma enérgica defesa durante o encontro e assegurou que haverá integração comercial das Américas até 2010.

No entanto, em entrevista à imprensa latina, antes de embarcar para Mar del Plata, Bush avisou que sua prioridade passa a ser um acordo sobre a liberalização do comércio a partir de Doha, rodada de negociações da OMC que vem se arrastando desde seu lançamento, em 2001, na capital do Qatar.

- A Alca está atolada, estou de acordo. Mas, neste momento, a rodada de Doha se impõe como prioridade, porque não envolve apenas nossos vizinhos, mas o mundo inteiro - disse o presidente americano, insistindo no papel-chave do Brasil na reunião da OMC em Hong Kong, em dezembro.

Na opinião de Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano (Iuperj), tornou-se mais interessante para Washington tratar a questão num âmbito mundial do que a partir de relações bilaterais, dos EUA com o Mercosul:

- A Alca sai da agenda hemisférica para o fórum global. Houve a percepção de que os países do Mercosul têm optado por alianças autônomas e independente de Washington. Para os EUA ficou mais interessante discutir o tema em meio a outros atores globais - afirmou ao JB. - Há grande expectativa para a reunião de dezembro. Pode tanto ser um sucesso como um fracasso para os dois lados - completou o pesquisador, destacando que o bloco encontra-se fortalecido.

Elogiado por Bush em repetidas ocasiões durante a entrevista coletiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou importante as declarações do colega americano em relação ao Brasil. Para Lula, tido como liderança fundamental para a democracia na América do Sul, deixa claro que ambos os países podem concentrar esforços por ''objetivos comuns'' como o combate às desigualdades sociais no continente.