Título: A doença de um bilhão de dólares
Autor: Tânia Maria de Paula Lyra*
Fonte: Jornal do Brasil, 03/11/2005, Economia & Negócios, p. A16
A febre aftosa foi descrita pelos americanos como The Billion Dollar¿s Disease, em um artigo publicado nos anos 60. Filmes americanos da época áurea de Hollywood retrataram a importância do controle das doenças animais. Em um deles, Sophia Loren ingressa nos Estados Unidos para casar com um americano, mas é detida no aeroporto por levar na bagagem um presunto. Em outro, é descrito que uma americana vai à Inglaterra visitar a avó e embarca de volta a seu país com as mesmas botas que usava na fazenda, o que desencadeou um foco de febre aftosa nos Estados Unidos.
O mais famoso filme, O indomado, vencedor de três Oscar em 1963, estrelado por Paul Newman, tem como ponto central da trama um foco de febre aftosa. Enquanto o fazendeiro quer seguir a lei, notificando o problema ao governo, seu filho ¿ representado por Paul Newmam ¿ é contra, no argumento de que o mais vantajoso para a família seria esconder, pois os veterinários colocariam a propriedade em quarentena, sacrificariam os animais e o prejuízo para o pecuarista seria grande.
Inúmeras críticas ao governo e questões pertinentes ao tema são suscitadas no enredo. Permanece em perfeita saúde um belo exemplar de bovino importado do México da raça Longhorn. Todos os demais bezerros da fazenda, no entanto, morrem, pois o importado era o portador do vírus e não apresentava os sintomas clínicos da doença.
Os Estados Unidos erradicaram a febre aftosa de seus rebanhos em 1929, conhecedores das perdas ocasionadas pela doença e da sua importância econômica. Na ocasião, a tecnologia da vacina era incipiente e a doença foi erradicada com uma série de iniciativas que incluíram o uso do chamado rifle sanitário nos rebanhos afetados, medidas restritivas de desinfecção e controle de trânsito.
Conhecedores do alto risco de transmissão do vírus, os EUA coordenaram a erradicação da doença em seus países vizinhos, como o México e o Canadá. Em conseqüência de ações precisas e agressivas, a América do Norte tornou-se livre de febre aftosa, sem vacinação, desde 1957. Em seguida, o mundo foi dividido em países aftósicos e não aftósicos. Essa condição espelha a situação de desenvolvimento econômico. Países com febre aftosa são subdesenvolvidos; países livres de febre aftosa são desenvolvidos.
O mais importante não é procurar culpados pelo foco de aftosa no Mato Grosso do Sul, mas levar a sério a política de erradicação. Trata-se do maior estado produtor e exportador de carne bovina do Brasil, o que representa imensurável peso na balança comercial brasileira.
Essa rica unidade da federação dispõe, no entanto, de fronteiras secas de mais de 600 quilômetros com paises vizinhos. Portanto, deve receber recursos para implantar a melhor infra-estrutura de defesa sanitária animal, como o programa oficial fez com os estados da região Sul a partir de 1963, proporcionando postos de fronteira, equipamentos de campo ¿ inclusive veículos e laboratórios ¿, cabendo aos governos estaduais a contratação dos profissionais.
Agora é importante a concentração de recursos em estados detentores de rebanho, como o Mato Grosso do Sul. O vírus não espera o descontigenciamento de recursos, que geralmente ocorre no fim do ano. As verbas devem ser permanentes e de uso flexível. Que cada um assuma sua responsabilidade: o produtor precisa adquirir a vacina e vacinar o rebanho. O governo deve garantir a qualidade da vacina, realizar o monitoramento soroepidemiológico, proporcionar um diagnóstico rápido e preciso e fiscalizar o cumprimento das ações sanitárias.
É imperioso realizar um trabalho ostensivo nas fronteiras, o que deve ser coordenado por organismos internacionais sob a liderança do Brasil. Não devemos buscar, com isso, a hegemonia do país na América Latina, mas seriedade e respeito com a pecuária brasileira. É preciso estabelecer nas fronteiras um comitê conjunto com os atores sociais dos países vizinhos.
Médica veterinária, integrou nos anos 60 e 70 a equipe que criou no Ministério da Agricultura a Campanha Nacional de Erradicação de Febre Aftosa