Título: O plano B de Bush
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 07/11/2005, País, p. A3
Após sentir a resistência, na IV Cúpula das Américas, na Argentina, no processo de instauração da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o presidente americano, George W. Bush, na tentativa de fugir do fracasso total nas negociações, chegou em Brasília com um novo discurso. Estrategicamente, apresentou uma espécie de plano B em encontro com jovens líderes: deixou de lado os impasses com o presidente venezuelano Hugo Chávez, evitou ao máximo mencionar abertamente a instituição do bloco econômico e focou sua eloqüência no estabelecimento de um plano de reestruturação político-social para o hemisfério, cujo principal aliado seria o Brasil.
Dentro desse plano, de acordo com a explanação de Bush, a Alca seria apenas uma parte de um projeto maior, apesar de o presidente não ter explicitado nitidamente como seria esse processo. Ao menos foi o que atestou um dos 15 jovens líderes brasileiros que participou do encontro organizado pela embaixada americana na manhã de ontem, no salão de eventos Porto Vitória:
- Ficou nítido o esforço do presidente Bush em colocar em pauta a construção de uma nova unidade política para o hemisfério. Seria um plano, em termos de discurso, maior do que a Alca - ressaltou, por telefone ao JB, o professor de Relações Internacionais da PUC-Rio, Arthur Ituassu, 35 anos.
Nesse encontro informal, com os 15 representantes e sem a presença da imprensa, Bush discutiu ainda questões sociais e a política externa americana. Questionado sobre o aspecto missionário de sua política internacional, o presidente rebateu com a sua tradicional idéia da difusão do universalismo da democracia e enfatizou que a imagem que se tem dos Estados Unidos é equivocada.
- Bush se apresentou muito objetivo e direto. Disse que se acha um político bem-sucedido, porque efetivamente faz o que fala - revelou Ituassu, dizendo que o presidente não se abalou com as manifestações que o criticavam.
- Bush disse não ligar para popularidade nem para essas reações. Para ele, tais manifestações apresentam-se como aspecto positivo da democracia.
Ao mesmo tempo em que tentava mudar a percepção de que seu governo seria imperialista, o presidente apresentava meios de combate à corrupção, à violência e à pobreza no hemisfério. Um discurso completamente voltado para a ''melhoria'' da América Latina, elaborado sem a consulta de representantes dos países em questão.
- Bush lançou uma idéia, mas temos que olhar com calma e ver quais serão os desdobramentos. O que me preocupa é vir um plano pronto. Foi colocado uma proposta do que deveria ser o hemisfério, mas na visão americana - alertou Ituassu.
Em termos pragmáticos, para o professor, a incisiva tentativa de Bush em trazer o Brasil para essa nova visão de hemisfério pode ser até interessante. Seria, para Ituassu, uma oportunidade de crescimento e expansão das relações comerciais. Mas fez questão de enfatizar que qualquer passo deve ser analisado com muito cuidado.
No encontro, além de ressaltar repetidamente a importância da parceria brasileira para a ''reorganização do hemisfério'', Bush tentou mostrar ainda o que ele tem de melhor:
- O presidente é muito bom no corpo-a-corpo político, é bom de discurso. Foi muito firme e falou muito bem. Não pareceu abalado com os impasses na Cúpula da América - comentou Ituassu.
Marcado pela informalidade, a reunião organizada pela embaixada norte-americana teve um salto positivo para os participantes. Apesar de o encontro não ter sido muito diferente do que os jovens líderes imaginavam, serviu para abrir um diálogo direto, sem mediações da imprensa ou de assessores, entre pensadores brasileiros e o presidente do mais poderoso e influente país do mundo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teria ainda manifestado qualquer opinião sobre os planos apresentados por Bush. O presidente americano, por sinal, segundo Ituassu, teria adotado uma estratégia muito inteligente para seduzir o Brasil:
- Em vez de ressaltar as diferenças entre os dois países, Bush enfatizou aspectos comuns. Mais uma demonstração de que está nitidamente querendo o apoio do Brasil.