Título: Médici: grande soldado, grande presidente
Autor: Aristoteles Drummond
Fonte: Jornal do Brasil, 07/11/2005, Outras Opiniões, p. A13

Não vivesse o Brasil uma crise de identidade e dignidade tão grande, estaríamos todos comemorando o centenário de um notável patriota e soldado, que assumiu a Presidência da República como missão e governou com sucesso. Trata-se do General Emílio Médici, homem cordial, correto, discreto, que enfrentou em vida e sofre até hoje a mais odienta campanha no sentido de ser apresentado a história como responsável por um período marcado pela violência. Na verdade, a iniciativa da violência partiu dos radicais que lutavam inspirados em regimes como o de Cuba, para onde muitos fugiram, hoje visitam com emoção e carinho, não sendo, portanto, opositores ao regime autoritário que vigia no Brasil por ideais democráticos. Esta oposição, brava e digna, existia no Congresso Nacional, com entre outros, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e Teotônio Vilela ; na imprensa; através de críticos como Hélio Fernandes e Barbosa Lima Sobrinho; nas entidades de classe, como a ABI e a OAB, entre outras. Médici enfrentou o seqüestro de diplomatas, como o cônsul do Japão em São Paulo, os embaixadores da Suíça e da Alemanha, com mortes de agentes federais que protegiam os diplomatas. Mortes pouco choradas e menos indenizadas, infelizmente..

Foi uma época de guerra civil, em moldes modernos, em que não faltaram os excessos de parte a parte. Ativistas foram mortos , assim como um almirante no primeiro atentado, em Recife. O que deveria unir os brasileiros, passados mais de 30 anos de tais atos, seria a condenação a luta armada, que provocou a dura e, certamente, exagerada repressão. Muitos dos que pegaram em armas então, convertidos à causa democrática, estão hoje no Congresso Nacional, sem sofrer nenhum tipo de cobrança da sociedade, desde que a generosa anistia do presidente João Figueiredo foi implantada.

O que precisa ser lembrado aos brasileiros, intoxicados pelo ódio dos ressentidos e arrependidos, é que o honrado presidente Médici formou uma das melhores equipes que o Brasil já viu na administração pública. Desde Gibson Barbosa, na diplomacia, a política econômica dinâmica e eficiente com Delfim Neto, Reis Veloso, Galveas, Cirne Lima, Nestor Jost e Pratini de Morais, a Jarbas Passarinho, que aí estão vivos e lúcidos, respeitados por todos. E notáveis que deixaram invejável acervo de realizações, num legado insuperável, como os casos de Mário Andreazza e Costa Cavalcanti, além da cultura e do saber de Alfredo Buzaid e Leitão de Abreu, nomes que pertencem ao que de melhor existe em nossa cultura jurídica. Os que já morreram deixaram patrimônio moral e ético, mas não material, como atestam suas viúvas e descendentes.

Os ativos e implacáveis opositores do presidente Médici, que governou com o AI-5, mas não cassou nenhum mandato e manteve o Congresso aberto todo o tempo, não devem esquecer que, em seus cinco anos de governo, o Brasil cresceu mais de 60%.

Médici assinou ainda o Tratado que permitiu a construção da binacional Itaipu, que confiou a Mário Bhering, fundou o Mobral, entregue a Mário Henrique Simonsen para erradicar o analfabetismo no Brasil, criou o Funrural, amparando mais de cinco milhões de brasileiros de uma só vez.

Nenhum governo investiu mais na habitação popular e no saneamento básico do que o seu. Foi um presidente voltado para o social, portanto.

Confiando na visão de um Brasil grande, forte e uno, dentro dos debates que são permanentemente feitos pelos militares em seus centros de estudos, agiu nos mesmos e ousados moldes de JK, quando determinou a construção da Cuiabá-Santarem, da Transamazônica, completou o asfaltamento da Belém-Brasília e acabou a Ponte Presidente Costa e Silva, estas últimas obras iniciadas por seu antecessor e de quem herdou parte da excepcional equipe de governo.

Exemplo de correção deixou o governo, recolheu-se a vida privada, vivendo entre o Rio e o Rio Grande do Sul, com modéstia exemplar. Convidado pelo líder político de Goiás e fundador do estado de Tocantins, Siqueira Campos, para ser candidato ao Senado, em 78, não aceitou. Lembrava que a Presidência da República foi uma missão recebida de seus companheiros de armas - de armas legais e a serviço do Brasil - que estava encerrada.

Médici recebeu um Brasil menor, mas melhor do que o recebido pelo presidente Lula. Médici cumpriu todas as etapas da carreira, a que não faltou a oportunidade de comandar a Academia das Agulhas Negras, onde se formam, com excelência, nossos oficiais. A mais, 30 anos depois de findo seu mandato, Médici pertence à história, sendo prova o fato de que muitos de seus admiradores votaram no presidente Lula, apoiado justamente pelos então equivocados membros do que se convencionou chamar de luta armada. Abafar o centenário seria um ato menor, que não combina com os ideais democráticos da sociedade brasileira.