Título: Bush e o pato canadense
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 04/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

Vem do Norte a ameaça de que a gripe do frango pode chegar às Américas. No Canadá, um pato, desses que gostam de fazer turismo voando de um país a outro em determinadas estações, pode ter trazido a trágica moléstia da China ou de outro lugar. As aves de arribação, jaçanãs e paturis, essas que encheram de mistério minha infância, pousando nos campos de Pinheiro, vindas de outros mundos em longas travessias, agora podem trazer em suas asas o desconhecido de doenças letais. ''Ah!, que saudades que eu tenho'', não, como Casimiro de Abreu, ''das auroras da minha vida'', mas das andorinhas que pousavam nos fios solitários dos telégrafos que cortavam aqueles imensos vazios verdes dos campos, no mês de janeiro, viajando na arribação de outras terras.

Enquanto esse pato canadense que veio da China assusta o hemisfério norte, Bush, voando de lá, traz uma expectativa de colocar mais pimenta neste Sul americano tão atribulado. É a famosa Cúpula das Américas, que foi criada para que os americanos pudessem participar destes fóruns regionais que tinham sido começados por mim, Miguel de la Madrid, Alfonsín e Sanguinetti - o pioneiro Grupo dos Oito -, reunião restrita aos interesses da América Latina.

Diferentemente de uma ave de arribação, Bush não viaja com a cabeça sem preocupações, mas não traz gripe de frango nenhum. É que deixa em casa o Senado americano que se reúne em sessão secreta para reabrir a discussão sobre os verdadeiros motivos da Guerra do Iraque, escondidos da nação ianque. Já o ex-presidente Jimmy Carter acusa o governo de seu país de ''sabotar as referências morais em que se baseia a política externa americana'' e acusa Bush de provocar uma ''mudança profunda e radical nos valores morais dos Estados Unidos''. Estas críticas coincidem com a denúncia da existência de várias prisões secretas da CIA na Europa do Leste e no Afeganistão, usando métodos que nada têm em comum com a Declaração de Direitos dos Pais Fundadores. Para aumentar suas preocupações, o líder do Partido Republicano na Câmara, Tom Delay, é indiciado por lavagem de dinheiro e contribuições ilegais na campanha para reformar os distritos eleitorais do Texas. Seu substituto - ele renunciou à liderança -, Roy Blunt, também parece ter passado no Marcos Valério deles.

É assim que Bush chega à Argentina com Maradona chefiando uma passeata-monstro contra ele, e sendo realizada uma Contra Cumbre, com o inocente nome de Cumbre de los Pueblos, que espera ter a presença de Chávez, outra ave de arribação rara e grunhidora, que promete pular o muro que a polícia argentina ergueu, em suas palavras, ''maior do que a Muralha da China'', para desancar a Cúpula das Américas da qual ele mesmo participa, e unir-se a Maradona na caça a Bush.

Não se sabe, segredo não revelado, se a Alca tem ou não lugar no comunicado final.

Mas, para refrigério de Bush, depois da confusão de Mar del Plata, ele passará o domingo em Brasília e, aqui, no Torto, deve comer um bom churrasco de boi sem aftosa, da melhor carne de Mato Grosso. No cardápio, a convergência de opiniões de que ''cá e lá más fadas há''.

Chávez ficará nos pagos portenhos e vai jogar com Maradona as cartas de Fidel.

No Iraque continuarão a morrer soldados americanos e nós aqui, oi, entre grampos e garranchos vamos vivendo.