Título: Cotas aprovadas, educação reprovada
Autor: Magno de Aguiar Maranhão*
Fonte: Jornal do Brasil, 04/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

Com a aprovação, pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara, do Projeto de Lei nº 73, que prevê reserva de 50% das vagas de universidades federais para alunos do ensino médio público e, ainda, para negros e indígenas, em proporção igual à existente na unidade da federação em que estiver a instituição, foi reacesa a polêmica em torno do sistema de cotas e, por tabela, em torno da qualidade da educação básica - historicamente, a grande excluída das prioridades de Estado. A emoção com que a decisão da Comissão foi comemorada pelos integrantes do MSU (Movimento dos Sem Universidade, com 50 mil militantes em dez estados) evidencia a dimensão dos problemas enfrentados pelos nossos jovens no que diz respeito ao acesso à educação, à cultura e às chances de inserção e promoção no mercado de trabalho. Diante do reduzido número de instituições de ensino superior públicas no Brasil (207, entre 1859, reunindo menos de 30% das matrículas), das escassas oportunidades de um estudante de baixa renda cursar a graduação sem arcar com o peso pesado das mensalidades em IES privadas, e diante da sub-representação de negros e indígenas no ensino superior, questionar as cotas é, na visão de seus defensores, expor publicamente uma condenável indiferença à dramática realidade brasileira. Postura maniqueísta que só interessa a quem pretende manter as coisas como estão - ou seja, aos que estão nas rédeas da administração do país e adiam indefinidamente o momento de tirar a educação do fim da fila.

Ao se admitir que a reserva de vagas é necessária, automaticamente se admite que o Brasil não investiu o que deveria nem na expansão do ensino superior gratuito e nem na melhoria de uma educação básica que prima pela ineficácia. Ineficácia que se traduz na incapacidade de proporcionar aos alunos acesso a bens culturais que enriquecem o desenvolvimento intelectual e devem ser inseridos no processo educativo.

Basta uma olhadinha no relatório que o INEP elaborou em 2004, avaliando fatores que interferiram na pontuação de 1,3 milhão de participantes do Exame Nacional do Ensino Médio em 2003 (900 mil egressos de escolas públicas): o hábito da leitura determinou diferença de sete pontos na média, assim como o fato do aluno ter freqüentado escolas com bibliotecas, laboratórios e computadores; quem tem TV por assinatura, computador e acesso a Internet em casa obteve 22 pontos a mais. A maioria declarou não ter nada disso: 82% não tinham acesso à Internet, 76% não tinham computador e 93% não tinham TV por assinatura. Atividades extracurriculares também ajudam: a média de quem freqüentou cursos de línguas, informática e pré-vestibular foi superior em 17 pontos. Mais: somente 18% classificaram o conteúdo ministrado nas aulas de bom a excelente e adequado à realidade. Enfim: o princípio pedagógico da contextualização é solenemente ignorado nas redes públicas.

Como a educação brasileira está distanciada do cotidiano dos alunos e não preenche as lacunas de sua formação em família e na comunidade, o que detectamos, ao final do ensino médio, é uma percentagem altíssima de jovens sem as competências requeridas pelo ensino superior e sequer pelo secundário. Como o Brasil não parece disposto a investir em políticas públicas que alterem esse quadro, reserva vagas para os que, aos trancos e barrancos, concluem a educação básica - mascarando um descaso com a educação pública que, entra governo, sai governo, de esquerda, direita ou centro, só se perpetua.

Além disso, se o ensino superior público é restrito, que se ampliem vagas visando aos menos favorecidos (o MEC se adiantou e anunciou a criação de nove universidades e 36 campi), sem excluir outros grupos, a pretexto de pagar uma dívida que é, exclusivamente, do Estado.

Nos Estados Unidos, berço das ações afirmativas, as cotas foram rechaçadas porque se concluiu que a inclusão de uns não pode depender da segregação de outros. O MEC já sinalizou que as cotas não constituem o único meio para atingir a meta dos 50%. A UFRJ, por exemplo, propõe o trabalho conjunto com escolas públicas a fim de oferecer um ensino de qualidade a futuros candidatos às suas vagas. Este tipo de articulação seria, a meu ver, a forma mais frutífera de combater desigualdades educacionais em todos os níveis e alcançar a diversidade no ensino superior - sem ferir o mérito acadêmico.

Na verdade, não creio que nem no âmbito do MEC estejam todos convictos de que a mera reserva de vagas no vestibular é A solução. Acho, até, que o governo fez essa opção porque, após instituir o ProUni, esgotou as alternativas para atender aos estudantes de baixa renda. Ou porque, como resumiu o ministro Fernando Haddad, o Brasil ainda não abraçou a causa da educação.

*Conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro.