Título: ''Charme texano'' não será suficiente
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/11/2005, Internacional, p. A12

A imprensa internacional publicou ontem análises que descrevem a viagem do presidente americano, George Bush, à América Latina como um de seus piores pesadelos dos últimos tempos. O jornal britânico The Times, por exemplo, chega a dizer que, à exceção do mundo árabe, a região é o lugar do mundo onde Bush é ''mais detestado''. E costuma ser visto pela imprensa latino-americana como um líder de visão unilateral, que não abre mão de seu discurso bélico, e um ''tolo radical religioso''. Uma imagem facilmente reconhecida, segundo o jornal, ''por telespectadores e leitores na Europa ou no Oriente Médio''.

O editor para os Estados Unidos do jornal, Gerard Baker, é quem assina o artigo ''Bush Vai para a Terra dos Bandidos''. E faz um paralelo entre o início do governo, quando a primeira viagem ao exterior como presidente foi ao México, e o contexto atual. Lembra, por exemplo, que na ocasião o líder americano fizera campanha com foco no estreitamento das relações dos Estados Unidos com a América Latina, negligenciada, segundo o jornalista, pelo governo de Bill Clinton.

Baker não deixa de mencionar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, mas não credita apenas a ele o tamanho do problema de Bush na América Latina. ''Os ventos políticos que têm soprado pela região são muito menos favoráveis aos EUA do que foram em qualquer outra época desde que o continente emergiu das trevas da ditadura nos anos 90'', diz, num trecho.

Ainda segundo o The Times, aos traumas da época em que os EUA interferiam nos governos da América Latina hoje se somam a diferenças entre Sul e Norte que dizem respeito a questões econômicas. Os exemplos citados são a Argentina e o próprio Brasil: ''O presidente (Luiz Inácio) Lula da Silva, embora atualmente atingido por escândalos, também tem um projeto econômico de esquerda.''

''Ele vai precisar de mais que o charme texano para fazer dessa viagem um sucesso'', acrescenta, para encerrar, dizendo que a ''turbulência'' é ''uma ironia'' para Bush. ''O presidente tem feito da promoção da democracia pelo mundo o principal objetivo de sua política externa. Mas, à exceção de (...) Cuba, cujo líder, Fidel Castro, não foi convidado para a Cúpula, a América Latina é toda democrática. Mas, assim mesmo, as relações entre Washington e seus vizinhos do Sul são muito mais complexas e tensas agora do que eram quando os EUA tinham como amigos ditadores confiáveis na região.''

No Washington Post, Monte Reel assina reportagem lembrando ao presidente que milhares de sul-americanos têm se organizado para Bush saber ''exatamente o que pensam dele.'' Reel também escreve que, nos últimos cinco anos, o povo da América do Sul ''elegeu líderes populistas ou socialistas na Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela e Chile''. E chama a atenção para o fato de que este ano ''protestos populares exigindo o desligamento das políticas econômicas comandadas pelos EUA tiraram do poder os presidentes do Equador e Bolívia''.

Para o The New York Times, o presidente americano pode até ter, como os que protestam durante a Cúpula, a intenção de combater a pobreza. Mas, segundo o jornal, o desafio será ''convencer outros no hemisfério a apoiar a sua proposta''. Também dedica boa parte da reportagem à movimentação que Chávez está fazendo para reforçar os protestos anti-Bush durante essa semana.