Título: Férias do Fisco no paraíso
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/11/2005, Economia & Negócios, p. A19

Mais de 49% do dinheiro que saiu do país em 2004 sob a justificativa de investimento no exterior tiveram como destino paraísos fiscais. Juntos, Ilhas Cayman, Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas, todas banhadas pelo mar do Caribe, e Luxemburgo, na Europa, receberam US$ 45,998 bilhões dos US$ 93,243 bilhões aplicados lá fora no período. Sozinhas, as Cayman levaram US$ 27,305 bilhões - ou 29,2% do montante. No total, os recursos expatriados cresceram 12,8% em relação aos US$ 82,692 bilhões registrados em 2003, segundo a pesquisa Capitais Brasileiros no Exterior divulgada ontem pelo Banco Central.

Na última segunda-feira, o Jornal do Brasil revelou que a corrente de comércio entre o país e paraísos fiscais - que assim são considerados por tributarem a renda em, no máximo, 20% - avançou 118% desde 2003, no caso das Bahamas. Para especialistas, o salto pode representar a difusão do uso de operações de exportação e importação como mecanismos para redução de tributação.

Os números incluem investimentos diretos, empréstimos intercompanhias, financiamentos e depósitos. As Bahamas receberam US$ 8,5 bi; as Ilhas Virgens Britânicas, US$ 6,78 bi; e Luxemburgo, US$ 3,347 bi.

Para o chefe do departamento de combate a ilícitos financeiros e supervisão de câmbio e capitais internacional do BC, Ricardo Liao, o investimento em paraísos fiscais pode ser explicado como uma estratégia de negócio das empresas.

- Creditamos isso à facilidade que esses países apresentam na mobilidade de capitais, o que talvez seja uma opção interessante dentro das empresas para alocação desses recursos inicialmente nestes paraísos. O que não quer dizer que se mantenham fixamente nesses locais - argumentou.

Neste caso, explica Liao, uma empresa poderia optar em fazer um investimento inicial em Cayman, apenas como passagem, porque o investimento teria, na realidade, um segundo destino.

Liao alega que o levantamento não visa detectar crimes de evasão de divisas. E que as operações, por terem sido declaradas, em tese não embutem irregularidade.

- Isso tem um fim estatístico. Temos outros mecanismos para fazer esse tipo de fiscalização - disse.

Segundo Liao, o aumento no total enviado ao exterior sobre o ano anterior, de 12,8%, foi influenciado por fusões entre empresas nacionais e internacionais, pela valorização de empresas brasileiras no exterior e pelo incremento nos empréstimos intercompanhia. No total, o investimento direto brasileiro no exterior totalizou US$ 69,196 bilhões, ante US$ 54,892 bilhões registrados em 2003.

- Pelos números levantados, podemos atribuir esse aumento à maior inserção da economia brasileira no exterior, através dos aumentos das exportações observados, e maior conhecimento do levantamento do capital brasileiro no exterior por parte dos declarantes, que são as pessoas físicas e jurídicas - destacou Liao.

Por atividade da empresa receptora dos investimentos brasileiros, a predominância ficou por conta do setor terciário da economia. Nesse segmento, os maiores registros foram em ''serviços prestados principalmente às empresas'', com US$ 20 bilhões (contra US$ 17,811 bi em 2003) e ''intermediação financeira, exclusive seguro e previdência privada'', com US$ 15,1 bilhões (US$ 13,856 bilhões em 2003). Esses dois setores concentraram 68% do total declarado pelo setor terciário.

O levantamento mostra que o número de declarantes cresceu pelo segundo ano consecutivo, passando de 10.622 para 11.245.

Com Silmara Cossolino