Título: Longa vida à CPI
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, País, p. A3

No fim de outubro um tribunal divulgou as sentenças de 47 pessoas, entre políticos e empresários, acusadas de se beneficiar ou de abastecer um propinoduto, no valor de US$ 93 milhões, que funcionou entre 1989 e 1997 na França. As investigações começaram no século passado e só há poucos dias a decisão dos juízes foi anunciada. O exemplo serve como argumento aos parlamentares ''técnicos'' - que se contrapõem aos ''palanqueiros'' - para justificar a necessidade de prorrogar sucessivamente os trabalhos da CPI dos Correios, aquela que até agora obteve maiores avanços na tarefa de desvendar o esquema do mensalão. O valerioduto, explica o deputado José Eduardo Cardozo (PT), é constituído por um intrincado e bem montado sistema de mascaramento de operações, que precisa de tempo e paciência para ser devassado.

- Para se ter idéia do volume de informações que temos levantado, só de ligações telefônicas já são mais de 10 milhões. Parte do processo está identificado mas talvez só daqui a alguns anos teremos o ciclo completo - prevê um outro deputado ''técnico'', Gustavo Fruet (PSDB-PR).

Os dois parlamentares, que representam o esforço investigativo da CPI, pertencem também aos partidos que têm se engalfinhado numa encarniçada batalha onde não faltam ameaças físicas e promessas de retaliação sem limite, numa antevisão do cenário eleitoral de 2006. Ambos avisam que não fazem parte deste jogo. Cardozo avança:

- Se PT e PSDB insistirem na estratégia do ''o bandido é você'' e não corrigirem os próprios vícios, cairão na vala comum da política e vão compartilhar o descrédito da sociedade. Do ponto de vista eleitoral, abrirão um vácuo que poderá ser explorado pelos aventureiros de plantão.

A opinião pública costuma jogar um papel importante na sobrevivência ou não do ímpeto investigativo de uma CPI. Se a tendência é esmorecer na exigência de trazer a verdade à tona, há o perigo da acomodação, alerta José Eduardo Cardozo.

- A investigação alimenta a opinião pública, que alimenta a investigação.

A questão é como evitar o esmorecimento se os deputados admitem a dificuldade da investigação e o longo caminho à frente. E há o problema adicional. Como o governo é o foco central das acusações, não há interesse em colaborar:

- Politicamente isso é até compreensível, mas cria empecilhos para o trabalho. Seguramente, a Receita e a Polícia Federal já devem ter o levantamento contábil do Banco Central sobre as corretoras que operaram com Marcos Valério. E também não vejo razão para que a documentação sobre a conta de Duda Mendonça no exterior permaneça em sigilo - argumenta Gustavo Fruet.

A outra ameaça vem no bojo de um eventual ''acordão'', pelo qual petistas e tucanos arrefeceriam o ímpeto de apurar, por medo de saírem chamuscados com as descobertas:

- Não acredito em acordão e nunca ninguém me pediu isso. Mas se isso ocorrer, denuncio imediatamente. A questão é que os fatos estão transparentes demais para se tentar esconder. O acompanhamento da opinião pública é em tempo real - analisa o parlamentar tucano.

O que não pode ocorrer, na visão do deputado, é um processo de imcompreensão sobre o papel de uma CPI.

- No início , alguns parlamentares acharam que era uma corrida de 100 metros. Depois se descobriu que era uma maratona. É um jogo de pressão versus paciência. Não é todo dia que tem uma bomba, um furo, dólar na cueca. Tem gente que não tem paciência para esperar, assim como tem gente que não quer que se continue a apurar.

Outro integrante da CPI, o deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) não se considera um palanqueiro, (''nunca ameacei dar surra em ninguém'') mas observa que o Parlamento é um espaço político e não um tribunal.

- O debate político é inevitável. O papel da sociedade é exigir que se apure tudo. Caso se constatem delitos em vários partidos, a sociedade sai vencendo. Os partidos é que devem se preocupar.

Na opinião de Eduardo Paes, a CPI avançou bastante.

- Me orgulho de ter tido um papel importante na investigação que desvendou os empréstimos fictícios de Valério para o PT.

Para não deixar a balança pender só para um lado, o petista José Eduardo Cardozo lembra que o know-how utilizado por Marcos Valerio para abastecer o sistema de pagamento a parlamentares foi desenvolvido em Minas, na época em que o beneficiado era Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB.

O Parlamento não é o tribunal - concorda o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo.

- O trabalho principal da CPI não deve ser o de cassar deputados, embora os culpados devam ser punidos. Só que apenas isso não vai resolver nada - pondera.

Abramo sublinha que a CPI só será útil à sociedade caso os mecanismos que deram origem ao esquema de propinas fiquem à mostra e as medidas corretivas sejam postas em prática. O mais importante é saber a origem do dinheiro.

O diretor da Transparência Brasil chama a atenção para a tentativa de amenizar o esquema de propinas, ''como se o caixa dois fosse um crime menor.''

- Quem tenta amenizar o caixa dois escamoteia o fato de que tudo provém de um sistema de corrupção. Quem financia um político e não quer aparecer está sempre pensando numa vantagem mais à frente. Quem recebeu o pagamento tenta alegar - como atenuante - que o dinheiro se destinava a pagar despesas de campanha. É uma situação insólita. A gente tem que acreditar em alguém que já cometeu um ato ilícito. Qual a credibilidade que tem essa pessoa para nos convencer de que simplesmente não pôs o dinheiro no bolso?