Título: Caixas-pretas bilionárias
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, País, p. A5

Os repasses da operadora de cartões Visanet, autorizados pelo Banco do Brasil a fim de abastecer o valerioduto e identificados durante a semana pela CPI dos Correios, lançaram luz outra vez sobre as estatais, gênese da crise que faz estremecer o governo Lula. A bola da vez é o Banco do Brasil. Mas já freqüentaram o centro do escândalo do mensalão os Correios, onde tudo começou com denúncia de cobrança de propina do ex-diretor de Administração e Compras, Maurício Marinho, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Casa da Moeda. De orçamentos vultosos, as estatais se transformaram numa verdadeira caixa-preta, impenetrável até mesmo para o Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal, o Siafi ¿ sistema que registra, em tempo real, as receitas e despesas orçamentárias, financeiras, contábeis e patrimoniais da União, na administração direta dos três Poderes.

Os valores que escapam ao controle público e, não raro, do próprio governo, são bilionários. Levantamento feito pelo Jornal do Brasil revela que apenas os investimentos das 66 empresas estatais que integram o Orçamento Geral da União são significativamente superiores aos investimentos totais da administração federal direta.

Para este ano, estão previstos para as 66 empresas estatais investimentos de R$ 36 bilhões, enquanto para o Legislativo, Executivo e Judiciário a dotação global de investimentos é de apenas R$ 21,4 bilhões. Até setembro deste ano, por exemplo, segundo dados fornecidos pelo Ministério do Planejamento, as estatais investiram R$ 14,1 bilhões ao passo que o Executivo, Legislativo e Judiciário gastaram apenas R$ 4 bilhões, incluindo os restos a pagar do ano passado. Em 2004, enquanto as empresas estatais investiram R$ 24,1 bilhões, a União, através da administração federal direta, pagou, apenas, R$ 9,1 bilhões em investimentos.

A desobrigação de lançar balanços no Siafi tornou as estatais mais suscetíveis a fraudes, como ensinou a crise do mensalão. Não à toa, gravitam em torno dessas empresas uma gama de interesses políticos. Para muitos partidos, vale mais a pena ser presidente de uma empresa estatal do que ocupar um cargo de primeiro escalão num ministério.

Diante desse cenário nebuloso, a CPI dos Correios já decidiu. Irá incluir em seu relatório final a proposta de criação de um Siafi exclusivo para as estatais. A proposta é do sub-relator, deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ):

¿ A roubalheira se deu nas estatais porque os gastos não têm a mesma transparência que a administração direta. Por isso, a idéia de criar um Siafi de estatais ¿ afirmou Eduardo Paes.

Boa parte das empresas, como não poderiam deixar de ser, resistem aos rigores da fiscalização. Para fugir do controle do Siafi, as estatais alegam que são empresas de capital misto, regidas pela lei de entidades pública e privadas, e se tivessem essa obrigação, perderiam competitividade no mercado. As empresas, argumentam, também seguem as normas ditadas pelo Departamento de Controle de Empresas Estatais do Ministério do Planejamento que as obrigam a publicar, por exemplo, balancetes mensais em jornais de grande circulação. Há, no governo, quem considere o balancete na imprensa uma maneira mais transparente de prestar contas à sociedade do que a inclusão dos dados no Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal.

¿ Não há discussão. Com certeza, se os dispêndios globais das empresas estatais fossem lançados no Siafi, qualificaria melhor os gastos dessas empresas brasileiras, hoje envoltas em denúncias de corrupção, principalmente depois que suas diretorias tornaram-se o ¿paraíso¿ de políticos inescrupulosos, que servem-se do público ao invés de servirem ao público ¿ rebate o deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF), outro entusiasta do Siafi das estatais.

Hoje, apesar de apenas 66 estatais integrarem o Orçamento Geral da União, o Brasil, mesmo com as privatizações, ainda possui 132 estatais. E o número vem aumentando. De 98 para cá, surgiram 39 novas empresas. Hoje, as 132 estatais empregam mais de 400 mil funcionários e movimentam cerca de R$ 400 bilhões.

Das 66 empresas incluídas no Orçamento, 32 pertencem ao grupo Eletrobras e Petrobras. As estatais atuam em diversos ramos de atividades, sendo dez no setor financeiro e de seguros, três no setor de armazenamento e abastecimento de produtos agrícolas, 17 no setor de energia elétrica, 16 no setor de petróleo, oito no de administração portuária, sete no de serviços, três no industrial de transformação e uma no ramo de serviços postais e no de administração de infra-estrutura de aeroportos.