Título: Chávez cria 'democracia de caudilho'
Autor: Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, Internacional, p. A10

Tecnicamente, ninguém pode chamá-lo de ditador. Foi eleito pelo povo e, em tese, é líder de um governo democrático. Mas a imagem do político carismático que passou a semana provocando o presidente americano George Bush, com ares de defensor dos fracos e oprimidos, é bem outra em seu próprio país. Na Venezuela, cientistas políticos e opositores de Hugo Chávez o descrevem como um homem que persegue qualquer um que critica sua política, não considera a possibilidade de preparar um sucessor e não está levando o país ao progresso apesar da imensa reserva de petróleo que tem. É o comandante-em-chefe da chamada 'democracia de caudilho'.

- Chávez controla todas as instituições do país - imprensa, justiça, sindicatos e ONGs - para reforçar ainda mais o poder do Estado. E o dinheiro que vem do petróleo, em vez de de ser investido em questões sociais, também acaba utilizado por ele para fortalecer a máquina estatal. Isso, quando não é oferecido a outros países para fins diplomáticos, enquanto milhares de venezuelanos passam fome - disse ao JB o advogado Julio Borges, de 35 anos, do partido Primero Justicia, até agora o único político que se apresentou como candidato a presidente pela oposição.

Borges é, como se apresenta, representante de uma nova geração da Venezuela que está fora do raio de alcance do ''carisma'' de Chávez:

- Não é verdade que seja tão popular aqui, uma unanimidade, como pessoas de fora do país pensam. Boa parte do povo venezuelano tem é medo dele, que é muito controlador. Se há indícios de que um cidadão não apóia sua política ou votou contra ele no referendo de 2004, essa pessoa vai ter dificuldade de encontrar um emprego, seu filho não vai conseguir uma bolsa de estudos, coisas assim. Aliás, você sabia que eu tenho sido seguido todo o tempo por agentes federais durante as viagens que tenho feito pelo país? Não falam nada, só me seguem, me vigiam aonde quer que eu vá.

A Venezuela tem hoje taxa de desemprego que varia entre 15% e 20%, um problema que o candidato atribui, em parte, ao estilo de Chávez de provocar outros presidentes e se isolar.

- Ele briga com todo o mundo. Quem vai investir aqui?

Para a professora da Universidad Central de Venezuela Ana Maria Sanjuán, que esteve no Rio durante a semana para palestras no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), Hugo Chávez é fruto de um país onde a organização política se perdeu nos últimos anos, o que criou terreno fértil para um líder com seu perfil. Uma contradição política:

-Chávez é um líder, não há dúvidas disso e os excluídos da sociedade estão com ele. Mas lidera num contexto caudilhista. É democrático no sentido em que permite, de alguma forma, a inclusão dos excluídos. Mas é antidemocrático na medida em que não permite a dissidência. Nesse contexto, fica muito difícil a implantação e o desenvolvimento da própria democracia. O país está muito polarizado e hoje se divide entre os que estão com Chávez e os que não estão, entre eles, os intelectuais e os empresários.

Ana Maria também lembra que a ''a tendência ao autoritarismo de Chávez'' e o fato de não pensar em um substituto complicam ainda mais o quadro político na Venezuela:

- Preparar um sucessor significa admitir que o escolhido possa ter idéias próprias.

Ainda segundo a professora, outra conseqüência grave do autoritarismo de Chávez é a perpetuação de uma sociedade não organizada politicamente, especialmente no momento em que o país se prepara para a eleição presidencial do ano que vem.

- E há rumores fortes de que pretende mudar a Constituição para que possa voltar a tentar a reeleição uma outra vez, em 2012, se ganhar em 2006. Segundo a legislação atual, o presidente só pode ser reeleito uma vez. Como vive dizendo que quer ficar no cargo até 2021, é só fazer as contas.

Quanto à briga à distância com os Estados Unidos, Ana Maria acha que é vital que os serviços diplomáticos ou outras instituições democráticas dos dois países ajam sempre nos bastidores.

- É preciso não esquecer que os EUA e Venezuela têm importantes relações comerciais e econômicas. Esperamos, portanto, que essa retórica de confronto não contamine isso. Este ano, mesmo, já houve um desses movimentos. Senadores americanos foram a Caracas e sentaram com autoridades venezuelanas para discutir várias questões. É preciso que se encontre esses mecanismos.

A professora não crê que Bush pretenda, realmente, invadir a Venezuela, como Chávez diz temer, mas, em sua opinião, está óbvio que o presidente tenha ''a percepção da ameaça'' de qualquer país e que, por isso, insista em querer fortalecer sua capacidade de defesa. Até porque, segundo um dogma político, países democráticos não entram em guerra.

- O problema é que Bush não acha que a Venezuela seja uma democracia.