Título: Um papa de surpresas silenciosas
Autor: George Weigel*
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, Internacional, p. A11

Quando o recém-eleito papa Bento 16 apareceu pela primeira vez na sacada da Basílica de São Pedro, em abril, tinha um sorriso largo - uma surpresa, talvez, para aqueles acostumados à caricatura de Joseh Ratzinger como o ''rottweiler de Deus''. Era, quem sabe, o sorriso de um homem que tinha finalmente conseguido algo que queria?

Não, porque certamente não queria ser papa. Achava-se velho demais para o cargo e não se sentia à vontade para um trabalho que exigia mais habilidades de administrador do que sentia possuir. Depois de João Paulo II ter recusado seu pedido de demissão (do cargo de prefeito da Congregação da Doutrina da Fé) por três vezes, Ratzinger, de 78 anos, também estava ansioso para voltar à terra natal, a Bavária, Alemanha, para retomar as atividades como teólogo.

Então, o que o mundo viu na tarde de 19 de abril não foi o sorriso de um homem que tinha alcançado uma grande ambição. Em vez disso, tendo aceitado a decisão de um conclave relâmpago depois de um conflito interno com a vontade de Deus (e com sua própria), a felicidade era de um homem libertado para ser ele mesmo, depois de ter subordinado sua personalidade por 23 anos ao trabalho delegado pelo papa João Paulo II.

Era de se imaginar que um Joseph Ratzinger livre pudesse trazer algumas surpresas. E, de fato, Bento 16 tem sido um pontífice silencioso, revelando gestos inesperados durante os primeiros sete meses do papado. Em setembro e outubro, levou multidões tão grandes à audiência semanal como jamais fez João Paulo II - o que não significa que seja magnético como seu antecessor. Durante o Grande Jubileu do ano 2000, João Paulo II trouxe de 40 mil a 45 mil pessoas, em uma semana, à praça de São Pedro.

Nos últimos dois meses, Bento 16 tem reunido regularmente multidões de mais de 50 mil fiéis; no dia 15 de outubro a praça ficou lotada com 150 mil peregrinos, muitos deles crianças que acabavam de fazer a primeira comunhão (a idéia de ter uma conversa com os pequenos foi do Santo Padre). Vários desses extraordinários espectadores se refletem nos 20 mil peregrinos que rezam no túmulo de Karol Wojtyla todos os dias. Tudo isso sublinha a dinâmica continuidade entre Bento 16 e o seu antecessor.

Apesar de não esbanjar uma personalidade pública tão carismática, Ratzinger tem um estilo cativante, oferecendo às pessoas que precisam a pregação acessível de um teólogo que é mestre nas complexidades da doutrina. Sua tranquilidade também mostra isso. Quando se sugeriu ao secretário do papa, na audiência com as crianças italianas, a um determinado momento, que era necessário dar ao Santo Padre um texto em que ele se baseasse para discursar, este respondeu: ''Ele não precisa do texto, o tem em seu coração''. (Mesmo quando faz sermões se baseando em notas, as homilias são escritas a mão).

Depois, houve o incrível entendimento com um milhão de jovens no Dia Mundial da Juventude em Colônia, na Alemanha - outra surpresa para alguns. Ainda como professor, Joseph Ratzinger inspira uma lealdade apaixonada de seus alunos de doutorado. Como João Paulo II, sabe que ser jovem é buscar o desafio do heroísmo. Não era um professor que protegia seus estudantes nem explorava suas fraquezas. Em vez disso tinha uma maneira sólida de ensinar e o exemplo de um papa em silêncio antes da Sagrada Eucaristia.

Bento 16 se encontrou, cordialmente, com representantes das alas progressistas e reacionárias da Igreja. Conseguiu derrubar vetos à idéia de um sínodo conjunto com bispos ortodoxos - algo que não acontecia há mais de um milênio. Tem se empenhado no compromisso direto com os bispos católicos pelo mundo, influenciado, talvez, pela experiência com os envolvidos nos escândalos de pedofilia nos Estados Unidos. Desafiou líderes islâmicos a tomarem posições públicas críticas em relação à violência cometida em nome de Deus e conclamou a Europa a recuperar a grandiosidade de suas raízes cristãs. (Vai lançar um livro sobre o assunto, que recebeu o título de ''Without Roots'' - ''Sem raízes'', em tradução livre. O co-autor é um intelectual ateu italiano que faz, com o papa, um diagnóstico a respeito das fontes seculares do mal-estar da civilização européia).

Uma análise precisa do papado requer esforço determinado para conseguir se enxergar além da taxonomia ''liberal/conservadora'' de todos os assuntos da Igreja Católica. O Vaticano está trabalhando em um documento a respeito dos seminaristas com tendências homossexuais. Se Bento 16 aprovar uma política exigindo que tais candidatos demonstrem a capacidade de assumir o voto de castidade, o impulso natural será interpretá-lo como um perseguidor dos homossexuais. A verdade, no entanto, é mais complicada: no coração e na prática, o Sumo Pontífice é um reformador que espera que todos os candidatos a padre mostrem a habilidade, com a graça de Deus, de viver o desafio do celibato e da castidade. Castidade, Bento 16 vai provavelmente lembrar à Igreja, é uma virtude para todos - sejam gays, heteros, sacerdotes ou laicos.

A sagacidade de Ratzinger como administrador e reformador da Cúria Romana permanece para ser testada. Assim como seu julgamento em relação às pessoas. Nesses primeiros sete meses, no entanto, o homem que nunca desejou ser papa tem mostrado uma serenidade que vem de uma profunda vida espiritual. Isso sugere que as silenciosas surpresas de Bento 16 irão continuar.

*Colaborador sênior da Washington's Ethics and Public Policy Center e autor do livro ''God's Choice: Pope Benedict XVI and the Future of the Catholic Church'' ( Escolha de Deus: o papa Bento 16 e o futuro da Igreja Católica ).