Título: Inferno sem fim em Paris
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Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, Internacional, p. A13
A capital francesa viveu sua noite mais violenta desde o início dos conflitos que assolam seus subúrbios. Na madrugada de sábado, jovens com galões de gasolina aterrorizaram a região, ateando fogo em cerca de 900 veículos, em uma creche e outros alvos. Mais de 250 pessoas foram detidas pela polícia e a operação empregou até um helicóptero para perseguir os vândalos, que também atacaram o comércio local.
A explosão de violência, que já soma nove dias consecutivos, levou o premiê, Dominique de Villepin, a convocar uma reunião de emergência com oito de seus ministros para planejar uma resposta, mas, como tem preferido agir desde o início dos ataques, nenhuma medida de curto prazo foi anunciada para conter a explosão de violência.
A primeira providência oficial será levar a juízo todos as pessoas detidas durante os ataques. Os ministros também prometeram pôr em prática o plano de renovação urbana e coesão social, lançado há 18 meses. O titular da pasta de Emprego, Jean-Louis Borloo, afirmou que o projeto vai contar com recursos de 25 bilhões de euros, e o de coesão social, mais 15 bilhões. Mais tarde, o premiê francês se encontrou com o líder muçulmano Dalil Boubakeur.
A princípio, a onda de violência se concentrou no subúrbio ao Norte de Paris. Porém, também foram relatados episódios em outros locais, de Rouen (norte), a Bordeaux, no sul de Estrasburgo. Os conflitos foram deflagrados em bairros de maioria de imigrantes pobres, de origem africana e muçulmana, que convivem com o desemprego, a criminalidade e a discriminação racial. Os confrontos levaram o transporte público a ser interrompido.
O estopim da onda de ataques foi a morte de dois adolescentes, eletrocutados, no dia 27 de outubro, após se esconderem em uma subestação de energia elétrica. Moradores da região acusaram a polícia de estar perseguindo os jovens, de 15 e 17 anos.
Em Acheres, a Oeste da capital, manifestantes atearam fogo em uma creche, que teve parte do telhado danificado, além de em dezenas de carros. No intervalo de uma hora, foram quatro ataques. Em Meaux, subúrbio Leste de Paris, manifestantes impediram que uma equipe de paramédicos prestasse socorro a um paciente, atirando pedras contra a ambulância. Um centro educacional e uma delegacia de polícia também foram queimados em Torcy, próximo da Disneylândia francesa.
Ganha força entre as autoridades policiais a tese de que traficantes de drogas e militantes islâmicos sejam os mentores dos ataques, usando como milícia os jovens sem perspectiva da periferia. Ao todo, cerca de 2.200 veículos já foram destruídos em conseqüência dos conflitos. O prefeito de Acheres, Alain Outreman, qualificou as ações de ''altamente organizadas''.
Em Seine-Saint-Denis, uma das regiões atingidas, vivem de 1,4 milhões de habitantes, em grande parte franceses de origem imigrante, mas também estrangeiros de 80 nacionalidades. A taxa de desemprego lá é de 13,9%, contra a média nacional de 9,8%. Além do desemprego elevado na região, 29% recebem salários inferiores ao piso nacional.
A abordagem da questão divide as autoridades federais francesas. Enquanto o ministro do Emprego defende os objetivos do plano de renovação urbana - de dobrar o número de estabelecimentos sociais e criar zonas francas urbanas, onde as empresas que se instalarem terão isenções fiscais - Sarkovsky segue seu discurso repressivo. De acordo com ele, o executivo é ''unânime sobre a necessidade de aplicar firmeza frente aos distúrbios''. O presidente francês, Jacques Chirac, manteve o silêncio diante dos últimos acontecimentos, uma atitude que seu gabinete justificou pelo fato de não valer a pena ''falar sem pensar''.
Ontem, Sarkovsky reuniu os responsáveis da Polícia Nacional, da contra-espionagem (DST), dos serviços de informação da Polícia, da Polícia judicial, das forças antidistúrbios (CRS) e da unidade de elite de a Polícia (RAID).