Título: Nós, aqui, preferimos a paz
Autor: Eduardo M. Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, Opiniao, p. A15

Recomendei a Bush, junto ao cônsul, que possa ter um diálogo franco com Maradona

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa amanhã do Programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, que comemora a sua milésima edição. Isso é importante tanto pelo momento que o país atravessa como pela seriedade do programa, conduzido e dirigido por Paulo Markun. A escolha não poderia ser melhor, sobretudo porque na última semana jornalistas e o presidente tiverem alguns momentos de tensão.

Por esse motivo encaminhei na última quinta-feira esta mensagem ao presidente Lula, dando parabéns pela iniciativa:

''Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Desejo parabenizá-lo pela decisão de participar da edição de número mil do programa Roda Viva. O diálogo freqüente com a imprensa é uma forma democrática de garantir a transparência da gestão e esclarecer as posições adotadas pelo governo. Acredito que nessa oportunidade poderá apresentar um balanço de suas realizações expondo a maneira como pretende alcançar os objetivos e metas que foram objetos de compromisso de campanha.

A disposição de V. Exa. em dar uma entrevista nos moldes do Programa Roda Viva constitui uma ação consistente com o seu propósito de contribuir para que a verdade completa sobre os fatos que preocupam a nação venha à tona.

O abraço amigo,

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy.''

Por diversas vezes tenho instado o presidente Lula a dar mais entrevistas coletivas à imprensa. Pensando em um diálogo mais freqüente, sugeri a ele uma visita ao Congresso Nacional com a finalidade de dialogar com os senadores e deputados, porque noto que a imprensa se queixa da escassez de entrevistas dadas pelo presidente Lula.

De quando em quando percebemos certos entreveros, tendo em vista a insistência de alguns jornalistas em fazer as mesmas perguntas. Na semana passada, por exemplo, após uma cerimônia de caráter internacional, o presidente, ao se encontrar com os jornalistas - que insistiam em perguntar sobre o episódio relativo à suposta doação de país ou organização estrangeira ao PT - chamou os jornalistas de mal-educados porque tinham levantado a voz. Se houvesse a disposição freqüente e organizada do presidente de dialogar com a imprensa, situações como esta, provavelmente, não ocorreriam.

Saúdo a Rádio e TV Cultura pela excelência do Programa Roda Viva e, sobretudo, pelo fato de terem convidado, insistentemente, o presidente da República e por não ter havido, segundo informou o próprio jornalista Paulo Markun, qualquer exigência de parte a parte. O programa será realizado no Palácio do Planalto, diferentemente do que normalmente é feito, no estúdio da RTC. Os jornalistas convidados para entrevistar o presidente são os que já foram âncoras ou coordenadores do programa, como Augusto Nunes, Rodolfo Gamberini e Roseli Tardelli, entre outros.

O momento da entrevista também é muito bom, devido à visita do presidente George Walker Bush ao Brasil. Avalio como muito importante o encontro que o presidente Bush realizou na Cúpula das Américas, em Mar Del Plata, onde se defrontou com protestos como o liderado pelo jogador Maradona.

Na última segunda-feira recebi o Cônsul-Geral e o Cônsul Político dos Estados Unidos em São Paulo, porque ambos queriam dialogar comigo a propósito da visita do presidente Bush. Disse a eles da importância de termos relações de amizade com o povo norte-americano, e relações muito francas e sinceras com o presidente Bush que, obviamente, respeitamos por ter sido eleito diretamente pelo povo, ainda que tenha ocorrido ali problema por ocasião da primeira eleição, na Flórida.

Acredito que é importante transmitir com sinceridade e franqueza as nossas divergências, principalmente em relação à posição do nosso governo a respeito da ação dos Estados Unidos para derrubar o presidente Saddam Hussein. Para nós, brasileiros, seria preferível um caminho pacífico em direção à democracia no Iraque. Essa situação já custou a morte, até hoje, de mais de 26 mil iraquianos e de mais de dois mil norte-americanos. Tudo isso depois daquilo que foi chamado de ''o fim da guerra'', porque lá existe ainda um estado de rebelião.

Outro aspecto que, no meu entender, o presidente Lula deve externar, é com relação à integração econômica da América do Sul, em vez de aceitarmos aquilo que o presidente Bush tem colocado, de prontamente instituirmos a Alca - Área de Livre Comércio das Américas. É importante que o presidente dos Estados Unidos saiba que, se for para haver uma real integração de nossas economias, que isso ocorra do ponto de vista da liberdade dos seres humanos e não apenas da liberdade de movimento dos capitais e dos bens de serviço.

Recomendei ao presidente Bush, junto ao cônsul, que possa ter um diálogo franco com Maradona, quem sabe na presença do presidente Lula e do presidente Chávez, para ouvir do grande jogador de futebol as críticas de muitos latinoamericanos às ações do governo americano - que, não tem sido bem aceitas porque somos povos que amam mais a paz do que a guerra.