Título: Insegurança: Do bar para dentro de casa
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 06/11/2005, Rio, p. A26

Para driblar queda no movimento, empresários da noite ampliam serviços de entrega e oferecem de refeições a roupas

O que antes era um simples serviço para oferecer comodidade ao cliente transformou-se na principal estratégia de sobrevivência do comércio. No Leblon e em Ipanema, o sistema de entrega em domicílio cresceu 40% nos últimos 12 meses. As associações comerciais calculam que o índice representa a ausência de 24 mil pessoas circulando em bares, restaurantes e lojas. O medo da violência e a sensação de insegurança são apontados pelos comerciantes como os principais fatores para o afastamento da clientela. Em setembro, o setor registrou queda de 20% no faturamento. - Sinto-me confinada dentro de um casulo, mas reconheço que é mais seguro receber o produto em casa do que ir até a loja. É lamentável, mas estamos vivendo a cultura do medo - afirma a publicitária Andréa Branco, 46, moradora do Leblon que recebe até peças de roupa em casa sem o compromisso de comprá-las.

Tão apavorada quanto Andréa, a proprietária da Exquisite, Sônia Medeiros, 47, explica que o serviço oferecido aumenta a relação de confiança, e evita surpresas indesejáveis para quem prefere ficar em casa. Para visitar a madrinha de uma de suas filhas, na Barra da Tijuca, Sônia pensa duas vezes antes de atravessar a Lagoa-Barra.

- Só vou se pudermos dormir lá e voltar no dia seguinte - revela.

Ao contrário da empresária, o motoboy do restaurante Olivier Cozan, em Ipanema, é obrigado a atravessar a Auto-Estrada todos os dias. Foi a saída encontrada pelo gerente operacional Hamilton de Oliveira, 39, para atender a demanda de quem mora na Barra da Tijuca e no Recreio. Há seis meses, os moradores da Zona Oeste revelaram ao gerente que preferem jantar em casa a passar pela Lagoa-Barra para chegar à Rua Vinicius de Moraes. Segundo Hamilton, cada vez que o motoqueiro é acionado, as pessoas se mostram desconfiadas.

- É normal perguntarem ao telefone: ''é o mesmo motoqueiro?'' Como ele está vestido?''. Quando pegam um táxi ao sair do restaurante, é comum também que tentem saber se o motorista é de confiança - conta Hamilton.

Segundo policiais da 14ª DP (Leblon), a desconfiança dos clientes tem fundamento. As investigações indicam que alguns ladrões de residência usam como pretexto a entrega de produtos para assaltar. Na quinta-feira, quatro homens foram presos por policiais militares do 23º BPM (Leblon) depois de entrarem no edifício com a desculpa de que iriam entregar uma fita de vídeo.

No Olivier Cozan, o sistema de entrega em domicílio cresceu 40% nos últimos seis meses, mas o movimento ameaça o futuro do investimento. De acordo com Hamilton, era comum o último cliente sair à uma da madrugada, mas os constantes conflitos nas proximidades da Rocinha e do Vidigal mudaram a rotina do estabelecimento. Há três meses, o gerente fecha o restaurante às 23h. Hamilton recorda-se que um multimilionário, freqüentador assíduo e que mora a duas quadras da Vinicius da Moraes, estava ausente há oito meses. Embora tenha reaparecido há três semanas, deixou claro que jamais voltará a jantar enquanto durar a crise na segurança pública.

- Se continuar assim, em dois anos seremos obrigados a mudar de endereço - diz ele, que contabilizou o fechamento de seis bares na região somente este ano.

Na Rua Dias Ferreira, o La Mole e o Galeto do Leblon também registraram aumento de 40% no delivery. O gerente do Galeto, Lindoval Aragão, 40, apostou na qualidade do serviço para diminuir os prejuízos com a queda no movimento. A colocação de vidros entorno do restaurante foi outra saída encontrada para afugentar os pedintes e garantir a privacidade dos clientes, que sempre reclamaram do incômodo de serem abordados durante a refeição. Aragão reconhece que os conflitos na Rocinha, além de repercutirem negativamente nas finanças, interferem na rotina de seus empregados.

- Tenho três funcionários que moram na Rocinha. Eles podem até chegar atrasados, mas pegam a Marquês de São Vicente a pé para chegar aqui - diz.

Além de pizza, refrigerante, fitas de vídeo, DVDs e roupas, os moradores do Rio aprenderam a encomendam chope em casa. Onze microcervejarias já distribuem o produto. Paga-se R$ 250 pelo aluguel do barril de 50 litros (cerca de 150 tulipas). A chopeira sai, em média, a R$ 2,7 mil. O engenheiro eletrônico Jean Claude Christopher, 48, é um dos adeptos da reunião em casa por considerar mais seguro do que beber nos bares.

- A qualidade é muito boa e o sistema é elétrico. Em cinco minutos está gelado - garante.

Para a presidente da Associação Comercial do Leblon, Evelyn Rosenzweig, a opção de ficar em casa atrapalha diretamente o comércio. Rosenzeweig acredita que os cariocas deveriam ocupar as ruas, avenidas, bares e lojas para minimizar a sensação de medo que atinge a sociedade.

- Claro que isso só será possível quando as autoridades municipais e estaduais garantirem nosso direito de ir e vir, que está comprometido - conclui.