Título: Minha comadre Nazareth
Autor: José Sarney *
Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2005, Opiniao, p. A15

Em 1961, eu estava na ONU, na delegação brasileira presidida por Afonso Arinos de Melo Franco e composta por Gilberto Amado, Antonio Houaiss, Araújo Castro, Guerreiro Ramos, Josué de Castro e outros.

Odylo Costa, filho, foi o melhor amigo que tive em minha vida. Era admirável e inovador jornalista, de imensas virtudes que raiavam santidade. Dele poderíamos dizer aquilo que Carlos Drummond de Andrade disse de Milton Campos: ''foi o homem que a gente gostaria de ser''.

Pois bem, Odylo fez uma carta recomendando-me a Gilberto Amado, que estava hospedado no Blackstone Hotel, onde também fiquei. Apresentei-me a Gilberto Amado e entreguei a carta. Ele, sem me dar qualquer chance de falar, perguntou-me: ''Você sabe por que eu não fui ministro do Supremo Tribunal Federal?'' Respondi-lhe, evidentemente, ''não''. ''Por causa da minha comadre Nazareth'' (que era esposa de Odylo). E continuou: ''o Getúlio me chamou ao Catete e me convidou: Gilberto, quero fazê-lo ministro do STF. Você, grande escritor e jurista, irá marcar com sua presença aquele Tribunal''. Eu estava estarrecido, sem entender esta conversa sem pé nem cabeça. Ele continuou: ''Presidente, não posso aceitar, de maneira alguma. 'Por quê?', indagou-me Vargas. Por um fato afetivo intransponível: uma santa, a minha comadre Nazareth. 'E quem é Nazareth?', perguntou-me Vargas. Respondi: é uma criatura admirável, a melhor que Deus colocou na face da terra. E eu não posso aceitar um cargo em que, um dia, eu não possa atender um pedido da minha comadre Nazareth. E logo, presidente, por motivos de Justiça''. Deu Gilberto Amado uma boa gargalhada e começamos uma amizade que foi estreita e carinhosa até o fim de sua vida.

Nazareth faleceu esta semana, bem velha, depois de um longo período de ausência do mundo, mergulhada na inconsciência de suas saudades e afetos.

Lygia Fagundes Teles perguntou-me, para um livro que pretende fazer de grandes sonetos, qual era o de minha preferência. Respondi-lhe: ''o Soneto da Fidelidade'', de Odylo Costa, filho. É um monumento ao amor fiel. O último terceto é: ''E de tal forma o próprio ser humano/Mudou-se em nós que nada mais separa/O que era dois e hoje é apenas um''. A união exemplar ficou perpetuada numa rua de São Luís: ''Rua Odylo Nazareth''.

A casa de Odylo em Santa Teresa era o último grande salão literário do Império, com sua bela família de oito filhos. Ali, os jantares ficaram célebres, com Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Virgílio de Melo Franco, Guimarães Rosa, Pedro Nava, Rachel de Queiroz, José Olympio, Prudente de Morais Neto, Peregrino Junior, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Carlos Chagas Filho, Osório Borba, Eneida, Castelinho Vilas Boas e imensos outros. Aquelas noites eram mais brilhantes do que as estrelas que ali estavam. Conheci, então, a todos, de muitos fiquei amigo e guardei o viver como um verbo que só se conjuga no presente, sendo passado.

Nazareth era uma menina da Escola Normal de Teresina que Odylo buscara para carinho, tranqüilidade e a doce presença humana que marcou sua vida e a de todos que a conheceram, com a sua bondade. Ela está no céu e Odylo falando que é festa no seu coração. Nazareth chegou. Agora, eternamente, cumpriu-se seu desejo e profecia: ''apenas um''.

O senador José Sarney (PMDB-AP) escreve às sextas-feiras no JB