Título: Lula olha e não vê
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Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2005, Opiniao, p. A15
Uma das mentiras clássicas ou potocas ingênuas do cotidiano da atividade política é a repetitiva declaração, na escala do juramento ao simples enunciado do candidato notório, de que não é candidato ao mais ambicionado dos mandatos no nicho do Poder Executivo: de presidente da República, governador ou prefeito. Do costume nem tão louvável, mas compreensivo, não escapa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Candidatissimo ao bis, em 2006, em plena campanha, tão intensa que ocupa a maior fatia do tempo disponível, sempre que provocado nos encaixes da oportunidade, embica pela variante de que ''ainda não decidiu se disputará a reeleição''. Para fixar o selo da verossimilhança sem a garantia da cola da verdade, enfeita o despiste com a elaborada lógica torta de que sempre foi contra a reeleição desde os remotos tempos de líder sindical e continua convencido que a melhor das soluções é o mandato de cinco anos para presidente e também governador e prefeito sem o penduricalho da reeleição. Pausa para o fôlego e o arremate: a reeleição foi encaixada na Constituição a ferro, fogo e outros recursos sabidos.
Obviedade não se discute. O jeito é ir em frente: só lá para o fim do ano, primeiro trimestre do próximo, depois do carnaval e da Semana Santa, pesará os prós e ou contras para anunciar ao mundo se tentará a sorte nas urnas ou se dará por terminada a missão da sua vida. Alimenta a curiosidade com a ração das condições preliminares, como o apoio popular conferido pelas pesquisas e alianças que o ofereçam a garantia possível de maioria parlamentar.
Papo de clara desconversa. Índices de popularidade a léguas de distância da eleição são acenos que o candidato sempre interpreta a seu favor. E acertos entre partidos desconjuntados, com rachadura, dissidências e a fragilidade da bagunça na garupa dos interesses, apenas gritam a urgente necessidade da reforma política. Depois, presidente eleito e reeleito junta a maioria que quiser na montagem do governo, com a farta distribuição de prendas, de ministérios a gordas fatias do bolo solado da obesa máquina administrativa.
Se o preâmbulo não vai além da parolagem, abre caminho para o debate a sério da reeleição, testada e reprovada, a merecer a qualificação de praga, tão daninha como as suas irmãs gêmeas: a corrupção e as mordomias parlamentares.
Para recomeço de conversa, desde o plantio da reeleição na horta do então presidente Fernando Henrique Cardoso, não há exemplo de titular de primeiro mandato executivo que não sonhe com a reeleição, dormindo e especialmente com os olhos esbugalhados pela ambição. A picada da aposentada mosca enlouquece o candidato antes mesmo da eleição, assim que as possibilidades de vitória sejam pressentidas ou freqüentem as ilusões dos que perdem o senso e despencam na paranóia.
A reeleição destrói dois mandatos emendados pela corda do delírio de poder. Transforma-se em idéia fixa. O titular não pensa em outra coisa, condiciona todas as decisões ao longo do mandato aos cálculos e raciocínios táticos, dos mais estapafúrdios aos conchavos do vale-tudo, às vantagens e desvantagens das suas tranças de candidato.
É evidente que a reeleição está esgotada. Sobrevive graças a apatia de partidos em pandarecos e a abulia do Congresso.
Lula que costuma olhar as coisas de relance sem firmar a vista para ver o quadro na nitidez dos traços e cores.
Agora mesmo parece ser o último, quando deveria ser o primeiro, a se preocupar com a briga em campo aberto pelo segundo posto na hierarquia do poder entre a ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, e o ministro Antonio Palocci, manda-chuva na economia. O lugar que foi do deputado José Dirceu, naufrágo a lutar pela salvação.
Lula condena a reeleição. Mas, que diabo, a carne é fraca e a ambição esperta e sabida.
Villas-Bôas Corrêa escreve às quartas e sextas-feiras