Título: A vida sem Duda
Autor: Rodrigo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 10/11/2005, País, p. A2

Uma conversa com integrantes da pequena galeria de entrevistadores do programa Roda Viva, da TV Cultura, confirma o que se supôs pela TV: o presidente Lula estava nervoso naquela tarde. Nervosismo de principiante. Ou de quem não vive mais sem um Duda Mendonça. Seria, afinal, o primeiro grande ato em cena sem a matreira direção do marqueteiro que ajudou a conduzir o chefe ao Palácio do Planalto com a fórmula do "Lulinha paz e amor" naquele longínquo 2002. Como o companheiro Duda está fora do jogo - eliminado pelas trilhas originadas de paraíso fiscal -, restou ao presidente a assessoria de Gilberto Carvalho e Luiz Dulci. Consenso entre os jornalistas que estiveram com o presidente: impressionou a mudança na paisagem humana no coração do poder. Não havia a presença dos superministros do passado. Nem José Dirceu, nem Luiz Gushiken, ambos defenestrados pelas versões da crise. Nem Antonio Palocci, o czar da economia que aos poucos se distancia do presidente devido à mácula das denúncias. Do Planalto ausentaram-se, também, os ex-assessores e amigos Ricardo Kotscho e Frei Betto, ambos afastados do governo segundo a própria vontade. Discretos e parceiros de longa data, Dulci e Carvalho não são propriamente exemplos de assessores dispostos a fazer comentários sinceros.

Sujeitos nervosos, mesmo aqueles dotados de experiência dos palanques de sindicalista, candidato e presidente-candidato, costumam aderir ao erro. De início são inseguros e claudicantes - como o Lula do primeiro bloco do programa. Depois, embora aparentemente mais tranqüilos, falam bobagens, contradizem-se, alienam-se. O nervosismo, a modesta assessoria, a iminência da inédita entrevista sem normas restritivas em um ano e dez meses de mandato, tudo se somou para que o presidente proferisse erráticas declarações e entrasse em perigosas contradições.

Das derrapagens presidenciais, já devidamente sublinhadas por quase todos os analistas políticos do país, convém insistir em três pontos - uma constatação, um espanto e uma interrogação. A constatação: Lula entregou a alma do ex-companheiro Dirceu. Como notou Elio Gaspari, o presidente mandou um telegrama de pêsames para o ex-técnico do seu time; deu por morto quem ainda luta pela vida. Como lembrou Augusto Nunes, o Congresso ganhou mais um estímulo presidencial para cassar o deputado. Equilibrou-se tão mal, terminada a gravação da entrevista, mandou o secretário Gilberto Carvalho telefonar para Dirceu, pedindo-lhe compreensão pela admissão de que o caso está politicamente perdido. O cordeiro oferecido ao sacrifício político obviamente não deve ter gostado.

Da entrevista sobrou também uma constatação, ressaltada por experiente dono de um instituto de pesquisa. Lula saiu-se bem. Disse mentiras sinceras, mas celebrou os feitos de seu governo. Contradiz-se, mas superou a bancada do programa com engenhosa suavidade. Ignorou o fato de o Planalto barrar insistentemente as investigações no Congresso, mas cobrou apuração e punição. Engana-se, portanto, quem acredita que está eleitoralmente morto. Se é um cadáver, é um cadáver com saúde. Resta, enfim, a interrogação: como Lula seguirá para a reeleição sem Duda Mendonça? Se depender do exemplo do Roda Viva, há razões para preocupação. Os jornalistas presentes ao programa estavam ali para esclarecer; candidatos chegarão em 2006 dispostos a combater. Motivo para que Lula volte a suar.

Coluna Para o bem do seu vasto leitorado, Augusto Nunes retorna à coluna na terça-feira.