Título: Parlamento vota por liberdade civil
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 10/11/2005, Internacional, p. A8

Primeiro-ministro britânico, Tony Blair, sofre maior derrota política de seu governo com proposta antiterrorista rejeitada

LONDRES - O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, sofreu ontem sua maior derrota política no Parlamento desde que assumiu o cargo, em 1997. Os deputados rejeitaram um projeto de lei antiterror apresentado pelo premier, minando sua credibilidade política. A Câmara dos Comuns rejeitou por 322 votos a 291 a proposta de estender de 14 para 90 dias o período em que suspeitos de terrorismo podem ficar detidos no Reino Unido sem acusação formal. A proposta é criticada por ameaçar as liberdades civis. Blair saiu desolado do Parlamento enquanto os deputados continuavam a votar leis menos controversas. Enfraquecido, deixou a sessão sem o apoio de 40 membros de seu Partido Trabalhista, que votaram contra a medida. Os parlamentares aprovaram, no entanto, a ampliação do prazo para 28 dias, com 323 votos a favor e 290 contra. O projeto de lei terá de passar ainda pela Câmara dos Lordes. A proposta do premier estava de acordo com as demandas da polícia, que pediu três meses de detenção para suspeitos de terrorismo após os atentados de 7 de julho, quando quatro suicidas explodiram bombas em três estações de metrô e um ônibus, matando 52 pessoas. A Scotland Yard considera insuficiente o período de 14 dias para a pesada investigação antiterrorista, que requer tempo e verificações internacionais. Os ministros das Relações Exteriores, Jack Straw, e das Finanças, Gordon Brown, aspirante à sucessão de Blair, chegaram a retornar de viagens internacionais para participar da votação e apostar no lobby como última chance de impedir a débâcle . O Partido Trabalhista sofreu uma importante derrota em maio, quando, no pleito parlamentar, teve sua bancada reduzida para 66 cadeiras, 40 a menos do que costumavam ter. O premier ainda tentou usar de sua autoridade, pedindo aos parlamentares que tivessem ''senso de responsabilidade'' e apoiassem a medida: - Vivemos num país que encara a ameaça real do terrorismo - declarou, completando que este ''quer nos impor mortes sem limites''. Em resposta, Blair ouviu o grito de um conservador: ''Estado de polícia!'' Depois da sessão de 30 minutos, o porta-voz de Downing Street disse que Blair estava ''decepcionado'', mas respeitava a decisão da câmara. Perguntado se a decisão do Parlamento refletia na autoridade do primeiro-ministro, o porta-voz afirmou que a derrota era pontual: - É um tema que esteve sob tensão entre os que acreditam que se deve fazer de tudo para proteger a segurança do país e, do outro lado, os que querem garantir as liberdades civis, como afirmam. O líder conservador Michael Howard disse que o resultado deixou Blair ''seriamente enfraquecido'' e pediu que o premier reconsiderasse sua posição, insinuando que o trabalhista deveria renunciar. - O primeiro-ministro mostrou que não tem seu partido ao seu lado e isso não é bom para o país - declarou. Já o secretário do Interior, David Davis, disse estar feliz por mostrar a Blair ''que há limites no que se pode fazer''. - É uma vitória do Parlamento e da liberdade do país. Em tom irônico, Davis disse ao primeiro-ministro que não duvidava que ele estava convencido da necessidade de novos poderes para a polícia. No entanto, lembrou que Blair também estava convencido da existência de armas de destruição em massa no Iraque. O deputado trabalhista Paul Flynn, um dos que votou contra o governo, disse que a votação mostra que ''a idéia de um partido trabalhista obediente acabou''. Ele também pediu a Blair um ''mapa do caminho'' para ceder o comando do partido a seu sucessor, refreindo-se a Gordon Brown.