Título: Compromisso com o futuro
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/11/2005, Opinião, p. A10

A antecipação do depoimento do ministro Antonio Palocci à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado provou-se um acerto, a despeito do fato de que não se tratava do foro mais adequado para o titular da Fazenda responder às denúncias que remontam aos tempos de prefeito em Ribeirão Preto. Raros foram os momentos na história brasileira em que uma pessoa pública saiu tão enaltecida pelos senadores, fossem eles da oposição ou da base governista mais renhida. Salvo embates pontuais em questões envolvendo ex-assessores, Palocci deixa o Congresso fortalecido, mesmo que temporariamente, para enfrentar o temido fogo amigo. O resultado pôde ser lido na dança dos índices do mercado financeiro: todo o nervosismo dos investidores em relação a possíveis mudanças de rumo se desvanesceu em instantes.

Acima de análises do tipo perde-e-ganha, o saldo deixado pelo debate no Senado é positivo. Revela-se possível, em meio à turbulência política no Planalto, um debate da política econômica em alto nível, fato impensável até poucos anos atrás. Cumpre lembrar que esta política não pode ser de curto prazo, nem de responsabilidade exclusiva do Executivo. Precisa ser um compromisso de todo o país. Só assim, permitirá um salto qualitativo no modelo de desenvolvimento nacional.

Política econômica deveria ser independente dos políticos da vez. A verdadeira blindagem é a que preserva a agenda de reformas necessárias ao crescimento sustentado. Ou seja, ministros não precisam ser blindados; a gestão da economia, sim.

Em sua exposição sobre os números da economia, Palocci lançou mão de um exemplo pouco estudado no Brasil: o da Irlanda. A nação britânica vem se tornando objeto da admiração de estudiosos, dado o sucesso de seu comprometimento de longo prazo com metas ousadas de austeridade fiscal. É preciso levar em consideração, no entanto, que o programa de ajuste irlandês envolveu também a prioridade em gastos públicos de qualidade, com foco na educação e na qualificação da mão-de-obra.

A necessidade de retomada dos investimentos - não apenas públicos, mas também privados - passa pelo compromisso com políticas de longo curso, que não sejam circunscritas a um ou dois mandatos presidenciais. O Brasil gasta mal. Sempre gastou, mas o cenário não melhorou substancialmente na gestão do presidente Lula. O resultado é o inchaço da máquina administrativa, financiada pela voracidade tributária. Não foi por acaso que o ministro da Fazenda classificou a Secretaria da Receira Federal como ''um dos principais, senão principal, órgão público na atual administração''.

Parafraseando o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, um dos mais lúcidos colaboradores de Palocci, a carga fiscal não pode carregar sozinha o piano do ajuste das contas públicas - assim como os juros não equivalem a uma política monetária de uma nota só. O Brasil, por sua vez, também não agüenta mais levar nas costas um Estado agigantado que não presta serviços de qualidade e demonstra apetite crescente para abocanhar a renda dos contribuintes.

O presidente Lula pode tirar do episódio ao menos uma lição. O apoio generalizado à política tocado pelo ministro Palocci sinaliza que o maior patrimônio eleitoral em 2006 é justamente o mais alvejado pelos próprios petistas: a economia.

Talvez seja hora de seguir o exemplo dos senadores e promover uma conspiração, como a costurada em favor do ministro Palocci. Só que a favor do equilíbrio fiscal e do crescimento sustentado.