Título: Aborto, o direito de matar
Autor: Ives Gandra Martins
Fonte: Jornal do Brasil, 17/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

Autores de sete países, juristas, professores de medicina e biomedicina editaram livro, pela Quartier Latin, intitulado Direito fundamental à vida. São do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, México, Espanha e Itália. Entre eles, dois ministros aposentados do STF (José Néri da Silveira e Célio Borja), um ministro do TST (Ives Gandra da Silva Martins Filho), o vice-presidente emérito da Corte Constitucional Italiana (Massimo Vari), desembargadores federais e estaduais (Carlos Fernando Mathias de Souza e José Renato Nalini), ex-ministros do Executivo (Daniel Faraco), professores de Direito (José Carlos Barbosa Moreira, Paulo Silveira Martins Leão Jr. e João Baptista Villela), professores de medicina (Herbert Praxedes e Dernival Brandão) e biomedicina (Lílian Piñero Eça) e autores expressivos do direito pátrio, além de dez professores de seis outros países.

Todos, todos sem exceção, reconhecem que a vida começa na concepção. Um dos professores de medicina relata, inclusive, as formas como o aborto é realizado, mostrando, com fotos, o sofrimento do feto (envenenamento, sucção dos membros e partes do corpo, sucção do cérebro e outras modalidades dolorosas), inclusive, a existência de latas de lixo para nascituros, com os seres humanos lá lançados, alguns com seis, sete ou oito meses, em alguns abortários.

Paulo Leão contesta os dados de abortos clandestinos. Se são clandestinos, como se pode ter a precisão que apresentam seus divulgadores? Ou têm aqueles que conseguiram detectar a clandestinidade dos abortos, para determinar sua estatística, conhecimento de todos esses crimes e são cúmplices, por não denunciarem a prática delituosa, ou apenas ''palpitaram'', o que representa uma profunda desonestidade intelectual. Aliás, o número fantástico de ''abortos clandestinos'', detectado com ''estupenda precisão'' pelas organizações que defendem o aborto, é tão grande, que levaria à conclusão que a mulher brasileira tem uma opção preferencial pela eliminação de nascituros e não por permitir que venham à luz.

Por outro lado, o argumento básico que apresentam é que o corpo é da mulher e não do feto, algo também, cientificamente, contestado no livro, quando uma das maiores especialistas em células-tronco adultas, no Brasil, demonstra que, desde o zigoto, ou seja, desde a primeira célula humana, todos os sinais de todos os órgãos de cada ser humano já estão definitivamente esculpidos. A partir de sua concepção, isto é, a partir da união do óvulo com o espermatozóide, o organismo da mulher passa, de imediato, a ser conduzido pelo novo ser e não mais por ela mesma. Adapta-se à nova realidade biológica, que torna a mulher, mãe - repito mãe - daquele ser em seu ventre concebido.

Argumentam alguns adeptos do direito de matar o nascituro que o ser humano concebido não é ser humano senão após três meses. Como se trata de vida, se não se tratar de ser humano, só pode se tratar de um ser animal irracional, o que vale dizer, os 513 deputados, os 81 senadores e os 11 ministros do STF que examinarão a matéria, teriam sido 605 animais irracionais, durante parte de sua vida, para depois se transformarem em 605 seres humanos. Até como homenagem e respeito a S. Exas., não posso admitir essa tese.

Tenho um profundo respeito por todos os que pensam diferentemente da minha maneira de pensar. De todos, inclusive das ''não católicas com o direito de decidir'', que criaram uma religião a parte do catolicismo apostólico romano. Intransigente defensor da vida, desde a concepção, o meu respeito por todos eles, sem exceção, não me permite, todavia, esconder a impressão que tenho, de que defender o direito de matar o nascituro é colocar-se em franco conflito com o que dispõe o art. 4º do Pacto de São José, que declara que a vida começa na concepção. E o pacto de São José é o Tratado Internacional das Américas de Proteção aos Direitos Fundamentais, ao qual o Brasil aderiu!

Devemos lutar pela vida. Obrigar os governos a darem assistência às mulheres que não têm condições ou não querem seus filhos, inclusive criando instituições públicas para deles cuidar. Não podemos, todavia, simplificar a questão eliminando o ser humano indesejado, porque o governo e a sociedade, a começar de seus pais, não quer responsabilizar-se por eles. E nisto os governos têm maior responsabilidade. Que não partam para a solução fácil de matá-los, em vez de pensarem na preservação da vida. Que não busquem a ''antecipação da morte'' ou ''a interrupção da vida'' do nascituro. Que cultivem, neste país, o direito de nascer, o direito de viver e não o direito de matar inocentes no ventre materno.