Título: A guerra é política
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 18/11/2005, País, p. A2

A melhor - e mais sintética - análise do depoimento do ministro Palocci à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado foi a do senador José Sarney: "a guerra é política". Isso significa, disse ainda o ex-presidente, que a situação de Antonio Palocci está indefinida. Ele se encontra em sursis. A batalha de quarta-feira foi ganha, mas como diz uma máxima do almirantado britânico, todas as batalhas podem ser perdidas, menos a última. O melhor é que todas as batalhas sejam vitoriosas, incluída a última. Ao ministro podem faltar os conhecimentos acadêmicos de economia, mas não falta habilidade. Ao creditar os êxitos da economia também aos governos anteriores, a partir do próprio Sarney (saltando Collor), reconheceu em Itamar a responsabilidade pelo Plano Real, rasgou elogios à equipe de Fernando Henrique e desarmou a oposição. O que lhe faltou foi, no repúdio veemente às acusações de improbidade administrativa em Ribeirão Preto, libelo mais duro contra os ex-auxiliares que o denunciam hoje.

As coisas devem ser separadas. Os oposicionistas não estão interessados no que possa vir a ocorrer a Palocci: estão interessados em impedir a reeleição de Lula. Eles se encontram dentro de um alçapão. Não podem contestar a política econômica do atual ministro, porque seus fundamentos continuam a ser os mesmos do Consenso de Washington. O que os incomoda, nesse particular, é que com o petista e Meirelles, a mesma conduta traz melhores resultados do que com Malan. Aparentemente vantajosa, nesta fase, em que a situação internacional a favorece, terá que ser substituída, mais hoje, mais amanhã, porque impede o desenvolvimento acelerado de que necessitamos.

Lula, fortalecido pela reeleição, poderia modificá-la já. Daí o claudicar dos oposicionistas: devem fustigar o presidente, a fim de ganhar as eleições, mas não podem aguçar as contradições a ponto de levar o país ao maniqueísmo. O PFL e o PSDB começam a entender que, sem provas incontestáveis de escândalos que superem os escândalos maiores e abafados do governo passado, o raciocínio popular será o de que todos são iguais. E se todos os governos são iguais, o de Lula é melhor, porque nele há mais empregos, há mais esperança, a moeda se valoriza, embora os benefícios da quadra sejam menores para quem trabalha e maiores para quem especula.

A guerra é política, e como adverte Clausewitz, quem resiste em seu próprio terreno tem enorme vantagem sobre o invasor. Apesar das hesitações e de estar com membros de seu estado-maior sob tiroteio (Dilma Rousseff é a única incólume), o presidente é ainda o homem mais importante do país. Considerá-lo derrotado é um equívoco. Há quem creia nas pesquisas realizadas no calor das denúncias, e o julgue derrotado um ano antes do pleito. Mas há pessoas moderadas na oposição, como o governador de Minas, que - pela herança familiar e pelos conselhos das montanhas - prefere não atiçar lenha à fornalha: é preciso manter a tranqüilidade social e a garantia de uma sucessão normal.

Disse um velho político mineiro, Ovídio de Abreu, em acaciana observação, que "não basta despachar o papel, é preciso resolver o negócio". As instituições brasileiras sempre estiveram aquém do tempo. É preciso construir um sistema constitucional republicano que dê realidade aos valores democráticos e supra os Três Poderes de instrumentos hábeis para a administração das crises cíclicas da economia e da política. Em suma, necessitamos de uma assembléia nacional constituinte, eleita diretamente pelos cidadãos e que se dissolva concluída sua missão. É sempre bom lembrar que a democracia é uma forma de governo que integra os cidadãos na sociedade e os faz senhores do Estado. Assim, uma boa constituição permite, sem sobressaltos, a alternância de doutrinas políticas no governo, desde que seja da vontade majoritária da comunidade. Enfim, a guerra é política, e só a política poderá resolvê-la. Mas as elites, que controlam os partidos maiores, não querem ceder em nada. Seria bom entenderem que o povo, querendo, pode substituir as elites, como tem ocorrido na História, mas as elites não podem substituir o povo.