Título: Casa Branca navega na crise
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Fonte: Jornal do Brasil, 12/11/2005, Internacional, p. A9
Em uma semana, presidente Bush é exposto a constrangimento duas vezes em documentos oficiais da CIA que o desmentem
WASHINGTON - A crise na qual mergulhou a Casa Branca dá sinais de que continua a se aprofundar, apesar da reação do presidente George Bush em um longo discurso a militares ontem. Não por acaso, o tom principal foi a defesa de um governo acusado de ter levado o país à guerra no Iraque baseado em falsas premissas. Em duas ocasiões esta semana, a divulgação de documentos secretos produzidos pela CIA geraram desmentidos capazes de tornar a posição do presidente ainda mais delicada - sobretudo diante de índices de popularidade abaixo dos 40%. O primeiro e mais importante é um memorando datado de janeiro de 2003, no qual a Central de Inteligência levanta dúvidas sobre a veracidade de informes indicando que a rede terrorista Al Qaeda havia enviado integrantes ao Iraque para adquirir armas químicas e biológica com Saddam Hussein. O segundo, desmente o presidente que havia garantido ao país, na quarta-feira, que os EUA ''não torturam prisioneiros''. Trata-se de um memorando, que vazou no dia seguinte, com um alerta da agência para o fato de que as ''técnicas de interrogatório'' adotadas pelos americanos estariam ferindo a Convenção Internacional contra a Tortura. O argumento sobre as supostas relações entre a Al Qaeda e Saddam Hussein foi repetido pelo então secretário de Estado Colin Powell, diante do Conselho de Segurança da ONU, em 2003. De acordo com o memorando recém-descoberto, a avaliação se baseou na conclusão de que a fonte, o terrorista líbio Ibn al-Shaykh al-Libi, capturado no Afeganistão em fevereiro de 2002, havia iludido seus interrogadores. A avliação constava de um adendo, no qual se afirmava que o ''prisioneiro não tinha status na rede para ter acesso a tais informações''. O texto comprova que a cúpula da Casa Branca teria agido intencionalmente, e não levada a um julgamento errado ''por inconsistência de dados técnicos'', como se sustentava no governo. Também resgata a reputação da agência, apontada pelo staff presidencial como a maior responsável pelo fiasco em que Bush se encontra. O segundo documento é o relatório secreto feito pelo corregedor da CIA, John Helgerson, alertando sobre os procedimentos de interrogatório aprovados pela Casa Branca no contexto da guerra ao terror. A revelação caiu com uma bomba sobre a peremptória declaração de Bush (''Nós não torturamos'') e o esforço empreendido pelo vice-presidente Dick Cheney para retirar da nova legislação contra a tortura os agentes da Inteligência militar. Helgerson cita a técnica chamada waterboarding, na qual o preso é amarrado a uma prancha e submerso, quase em um afogamento. O método teria sido aplicado em Khalid Sheik Mohammed, o kuwaitiano planejador dos atentados de 11/9 nos EUA. Segundo relatos, Mohammed seria um dos cabeças da Al Qaeda mantidos em cadeias secretas do Leste Europeu, possivelmente na Polônia e na Romênia. O vazamento do documento mostra que o corpo da CIA não estaria satisfeito com a adoção de tais técnicas, consideradas contraproducentes. A convenção da ONU bane a tortura, definida como a imposição de dano físico e mental ''severo'', além de ''tratamento cruel, desumano ou degradante''. Ontem, confirmou-se que a CIA usou aeroportos noruegueses para reabastecer os aviões que levaram os presos de Guantánamo, em Cuba, às cadeias secretas. O Gulfstream III (registro N50BH), usado pela agência, pousou em 20/7 em Gardemoen (Oslo), e, depois, seguiu para Le Bourget (Paris), disse a companhia de tráfego aéreo norueguês. O avião fez sete viagens saindo de Cuba.