Título: Crime e castigo
Autor: RODRIGO DE ALMEIDA
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2005, País, p. A2

Por má-fé, incompetência ou desatenção, acusadores habitualmente implacáveis com os suspeitos de sempre costumam tornar-se comedidos quando se deparam com denúncias sobre certos personagens. Prova do palpite: a diferença de tom no julgamento moral destinado a morubixabas petistas. A dessemelhança ficou evidente desde quando o vasto repertório de "escândalos" do governo Lula chegou ao gabinete do comandante da economia, Antonio Palocci. O comissário sempre foi o mais resistente dos superministros da gestão petista. Se a "crise" atingiu o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu em fevereiro de 2004, os ventos fortes só alcançaram o gabinete de Palocci no segundo semestre deste ano. Portadores de salvo-condutos, no entanto, não são tisnados facilmente. Pois o Ministério Público Estadual de São Paulo informa e a CPI dos Bingos confirma: o advogado Rogério Buratti disse a verdade quando afirmou que a empresa de coleta de lixo Leão Leão operava um "mensalinho" para quatro prefeituras paulistas - entre elas, Ribeirão Preto, na época comandada por Palocci. Buratti, recorde-se, era o braço direito do hoje ministro. A empresa já cuidava da limpeza da cidade. A renovação do contrato deveria incluir uma cláusula verbal: a cada mês, a prefeitura receberia R$ 50 mil adicionais. Por fora. Dinheiro destinado a abastecer as contas eleitorais do PT. O quebra-cabeça parece hoje montado pelos documentos nas mãos dos promotores; recursos das prefeituras alimentavam o caixa 2 do PT.

Desde o envolvimento de Palocci, não são raros os discursos da turma do "deixa-disso". O czar da economia está blindado. Não só pelos indicadores que, embora modestos, não ruíram com a crise política. A proteção ao ministro avança também sobre o tratamento simpático que lhe é dirigido. Quando se trata de documentos e comprovações de travessuras explícitas e implícitas, Palocci não está melhor do que Dirceu. A rudeza do ataque, contudo, é espantosamente diferente. Difícil explicar o porquê. Mas não deixa de ser curioso que, a cada denúncia, a tropa oposicionista levante a voz para, logo depois, arrefecer o impacto das ações, sugerindo cautela e investigações adicionais.

Na semana passada, deu-se conta de que Palocci (ao lado do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos) estava escalado para negociar um armistício com as oposições. Ou se aplaquem os juízos ou se deflagre a guerra de denúncias, de conseqüências arriscadas para os dois lados, sugeriu a estratégia oficial de negociação. Bandeira branca desse tipo tem nome: cobertor para esconder podres mútuos. Maus presságios. Pode ser coisa de altruísta que pensa mais no país e menos nos dividendos eleitorais alcançáveis. Ou receio (de ambos) de que as acusações não passem na prova do contra-ataque iminente. Crime e castigo, afinal, andam lado a lado.

Dissonantes Em julho, na célebre entrevista concedida de Paris, o presidente Lula aliviou a barra dos partidos que recorrem ao caixa 2. Incluiu o PT, justificando o deslize dos companheiros por se tratar de uma prática "feita sistematicamente" no Brasil. Ontem, no programa Roda Viva, da TV Cultura, Lula condenou a prática, classificando-a de "intolerável". Em setembro do ano passado, em plena campanha eleitoral, o tucano José Serra prometeu que, se eleito, cumpriria o mandato até o fim, sem renunciar à prefeitura para concorrer a outro cargo. No fim de semana, o hoje prefeito de São Paulo apresentou pose e discurso de presidenciável. Coerência não é lá grande atributo de políticos, sobretudo em véspera de enfrentar as urnas. Mas como PT e PSDB polarizam as atenções para 2006, não é demais descrever dissonâncias do gênero. Estamos bem, mais uma vez.