Título: Antiamericanismo em alta
Autor: Jarbas Passarinho
Fonte: Jornal do Brasil, 08/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

É infalível que os países hegemônicos despertem antipatias e até ódios que terminem em luta armada. Devido à política incondicional de apoio ao Estado de Israel - criado com o voto decidido do Brasil - os Estados Unidos tornaram seus inimigos, inconciliáveis, árabes e muçulmanos. Derrotados em sucessivas guerras contra Israel, cederam o teatro de operações aos terroristas. As duas Torres Gêmeas de Nova York, símbolo do poder econômico americano, foram espetacularmente destruídas. Entrou na história Osama Bin Laden, que os americanos haviam, na Guerra Fria, armado e municiado para bater os soviéticos no Afeganistão. O presidente Bush declarou a América em guerra contra o terrorismo. Enquanto se batia no Afeganistão contra os talibãs e destruía os campos de treinamento de Bin Laden, teve apoio firme de seu país e não tão sincero de outros, que logo se opuseram à invasão do Iraque.

A América do Sul foi por muito tempo uma espécie de vassalo tranqüilo da América do Norte desde os tempos da doutrina do presidente Monroe. ''A América para os americanos'', que muitos acrescentam ''para os americanos do Norte''. A presença de Fidel Castro, a 90 milhas do território americano, em regime comunista desde 1961, no auge da Guerra do Vietnã, mudou o panorama geopolítico. Che Guevara, após suas andanças mal sucedidas no Congo, tentou dominar a Bolívia e dos altiplanos andinos estender-se para os vizinhos montanheses. Perdeu a vida, preso e assassinado nos Andes. Já o presidente Nixon escolheu o Brasil Ao receber o presidente Médici, em visita à Casa Branca, disse: ''Para onde o Brasil se inclinar, se inclinará a América Latina''. Eu estava em Caracas, chefiando missão brasileira em reunião da OEA. Repórteres locais, mal escondendo a hostilidade, me interpelaram a respeito. Disse-lhes que erravam de interlocutor. Que fizessem a pergunta ao presidente americano, pois o Brasil nunca teve veleidades hegemônicas. Um norte-americano, membro da conferência, me sussurrou no ouvido: ''Acostume-se a ser Big Brother''.

Jean-François Revel, não faz muitos anos, escreveu a Obsessão antiamericana, em que desenvolve argumentos que consideram uma injusta propaganda contra os Estados Unidos, na França e no mundo. Numa próxima edição de seu livro, Revel poderia aproveitar-se da América do Sul, com o ocorrido em Mar Del Plata, na Cúpula da Américas. Dias antes, a televisão mostrava Maradona, em Cuba, abraçado afetuosamente ao mais velho ditador do mundo, anunciando que iria para a Argentina comandar uma enorme manifestação popular contra a presença do presidente Bush, ''um assassino'', em Mar Del Plata. Ele e radicais antiamericanos uniram-se ao presidente Chávez. Cerca de 50 mil pessoas, num showmício em que o presidente da Venezuela pulou, cantou e ''decretou'' a morte da Alca (Área Livre de Comércio das Américas), para delírio dos ativistas. Incendiaram agência do Bank Boston, destruíram lojas inteiras e só foram contidos numa mini-batalha campal pela infantaria policial argentina. O interessante é que o presidente Chávez não é tão antiamericano assim, pois propôs que em vez da Alca se restaurasse a Aliança para o Progresso, ''uma iniciativa respeitável'', de Kennedy. Elogio estranho, para quem se diz pronto para ''parir'' o ''socialismo ou barbárie, socialismo ou morte''. Nem terá agradado a Fidel, de quem Chávez anunciou ter recebido uma ligação telefônica dizendo que estava muito emocionado vendo na televisão, sentado numa cadeira confortável, que o venezuelano lhe oferecera, o que se passava em Mar Del Plata. Parodiando Guevara despedia-se: ''Chávez, até a vitória sempre''.

O presidente Bush humildemente reconheceu o que é ser Big Brother, particularmente no caso dele, cuja popularidade despenca no seu país, reeleito pelo Colégio Eleitoral amparado por maioria de mais de três milhões de votos. Declarou a Kirchner: ''Talvez não seja particularmente fácil receber-me''. A Argentina, que aos tempos de Menen dizia que sua amizade com os Estados Unidos era ''carnal'', já não diz o mesmo com Kirchner, que ainda acha pouco o apoio dos Estados Unidos junto ao FMI, para que desse o calote de 75% da dívida externa. Embora reconhecendo que fora ajudado, debitou à receita do FMI a crise econômica que abalou a Argentina. Bush, contendo o agravo público, retrucou sereno: ''Agora acredito que vocês já podem se defender perante o FMI com mão mais firme''.

A situação do presidente americano é tão desconfortável nesta parte do continente que o simples elogio que fizera ao presidente Lula, antes da Cúpula, dividiu seus companheiros do PT. O presidente Berzoini, do Partido dos Trabalhadores, disse algo despropositado: ''O presidente Lula pode ter boas relações com Bush, mas o partido tem o direito de não o ter''. Não admira, pois Berzoini venceu por pouco a esquerda do partido. Precisa agradá-la. A mesma esquerda radical que vaia Bush e queima a bandeira americana, mas afaga Fidel no Brasil e lhe presta todas as homenagens.