Título: Da esperança ao surreal
Autor: Marcelo Medeiros
Fonte: Jornal do Brasil, 16/11/2005, Opiniao, p. A15

Dois dias depois de declarar no programa Roda Viva que jamais ''houve ingerência do governo'' para atrapalhar o funcionamento das CPIs, o presidente Lula tentou atrair deputados e senadores com promessas de liberação de verbas e nomeações, para impedir a prorrogação da CPI dos Correios.

O descaramento e a hipocrisia do presidente da República nos faz lembrar da famosa advertência de Cícero a Catilina, que conspirava contra o Senado Romano, há mais de 2 mil anos: ''Até quando Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há de zombar de nós? Oh! tempos! Oh, costumes!''.

O empenho do Palácio do Planalto para encerrar as comissões parlamentares de inquérito demonstra o pavor do Partido dos Trabalhadores de que as investigações levem ao impeachment do presidente e à cadeia, alguns de seus ministros e líderes do PT. Repete-se Collor e PC Farias multiplicado.

Para o senador Efraim Morais, presidente da CPI dos Bingos, o esquema de corrupção no governo Lula estaria dividido em dois grupos, um comandado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, e o outro, pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

Como se não bastassem as numerosas denúncias de corrupção já comprovadas pelas CPIs, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, a constatação do desvio de milhões de reais do Banco do Brasil para o caixa dois do PT é motivo suficiente para a abertura do processo de impeachment do presidente.

Com a iminente cassação do ex-ministro José Dirceu, a bola da vez é o ministro Antônio Palocci. As suspeitas de corrupção vêm desde o tempo em que era Prefeito de Ribeirão Preto. Foi denunciado pelo ex-secretário da Prefeitura, Rogério Buratti, de receber cinqüenta mil reais mensais da empresa Leão Leão, roubados do contribuinte, para repassar para o caixa dois do PT.

Apavorado com o desenrolar das apurações e usando como desculpa discordância programática com a Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, Palocci faz circular na imprensa que vai pedir demissão.

As acusações feitas contra o ministro por seus antigos assessores, cujo nível deplorável se pode constatar nos depoimentos à CPI, enquadram-no como bandidaço (não pelo físico, mas pelo tamanho das maracutaias de que teria participado), segundo o douto ensinamento do advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, ministro de Justiça.

Ilustrou também esta fase pós-Dirceu de escândalos públicos o bate-boca entre o ex-ministro da Secom, Luiz Gushiken, atual chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência, e o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Um acusando o outro de mentiroso. Segundo Pizzolato, o dinheiro do Banco do Brasil entregue ao valerioduto por conta da verba de publicidade da Visanet, para abastecer o PT, foi feito por ordem do ex-ministro Gushiken. O ministro afirma que é mentira.

Sem considerar quem está mentindo, este diálogo entre um diretor do maior banco da América Latina e um ministro do governo brasileiro é, no mínimo, surreal.

A cara-de-pau, a dissimulação e as mentiras dos petistas, convocados a depor nas CPIs, assombram a opinião pública e transformam a esperança depositada no partido dos trabalhadores num sonho surrealista.

Como o surrealismo proclama a prioridade do desejo e prega a renovação de todos os valores, inclusive os morais e políticos, voltamos novamente a Cícero, ao sugerir que Catilina deixasse Roma: ''Já não podes conviver por mais tempo conosco... Leva também contigo todos os teus; senão todos, pelo menos o maior número possível. Limpa a cidade''.