Título: ONU se recusa fazer inspeção
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Fonte: Jornal do Brasil, 19/11/2005, Internacional, p. A9

Os inspetores das Nações Unidas desistiram da visita à prisão americana de Guantánamo, em Cuba. A razão foi a recusa de Washington em autorizar o acesso livre aos presos, considerado um ''pré-requisito básico''. A inspeção seria no dia 6 de dezembro e o cancelamento foi divulgado pelo relator da ONU sobre a tortura, Manfred Nowak.

O Pentágono havia recebido prazo até o fim da noite de ontem para responder se aceitava as condições. A comissão exigia poder conversar em particular com os presos, tidos como ''terroristas''. Para o governo americano, o acesso limitado seria o ''suficiente''.

Nowak destacou que o cancelamento não afeta a redação de um relatório sobre as condições da prisão. O texto será apresentado ao comissário da ONU para os Direitos Humanos em março de 2006.

Os EUA haviam aceitado a inspeção, mas exigiram a redução da equipe independente, de cinco para três membros. A duração da avaliação teria de ser de um dia, em vez de três. O Alto Comissariado dos Direitos Humanos da ONU considerou ''lamentável que o governo americano, que sempre afirmou defender os princípios de independência nos procedimentos de investigação, não tenha sido capaz de aceitar'' as condições dos inspetores.

Organizações de defesa dos Direitos Humanos denunciaram as condições dos 500 prisioneiros sem julgamento na cadeia de Cuba.

- A idéia de Washington sobre Guantánamo era justamente transformar a base em uma zona de não-direito interditada por natureza aos inspetores - diz Philippe Moreau Desfarges, do Instituto Francês de Relações Internacionais, em Paris. - O presidente George Bush, que já enfrenta uma forte queda de popularidade, não quer um novo escândalo. Ao contrário, quer empurrar o problema com a barriga o máximo possível.

Além disso, Washington sofreu um importante revés na segunda-feira, com a decisão de um juiz federal de adiar o primeiro julgamento de um prisioneiro em um tribunal militar de exceção. O magistrado explicou que queria esperar o ''veredicto'' da Suprema Corte sobre a legalidade destes tribunais antes de se pronunciar.

Em Londres, a Anistia Internacional exigiu que os EUA permitam o acesso total à base. A ONG anunciou a realização de uma conferência sobre tortura, com a participação de ex-presos da base.

- Guantánamo é a ponta de um iceberg de abuso, o elo mais conhecido de uma cadeia que inclui a base de Bagram, no Afeganistão, prisões no Iraque e instalações secretas em outros lugares - disse a secretária da AI, Irene Khan.

Entre os ex-detidos que darão seu depoimento está Shaker Aamer, um cidadão do Reino Unido e pai de quatro crianças britânicas. Aamer, que faz greve de fome, contou ter sofrido tantos abusos e ter sido tão humilhado que quer que o Exército americano deixe de alimentá-lo e lhe permita decidir seu próprio destino e morrer.