Título: 'A política está ao fundo do poço'
Autor: Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 21/11/2005, País, p. A3

O senador Pedro Simon, 75 anos, está se preparando para disputar a eleição, visando ao quarto mandato. Muito mais do que vocação, Simon, que tem mais de 40 anos de vida pública ¿ já foi vereador, deputado estadual, governador do Rio Grande do Sul e ministro ¿ acha que tem a obrigação de continuar na política. Peça importante de CPIs famosas, como a do impeachment de Collor e a dos Anões do Orçamanto, diz que sentiria vergonha de reconhecer que deixa a política pior do que quando entrou. ¿Se tivesse melhorado, eu diria `agora já posso sair¿¿. Simon considera um erro dizer que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um candidato morto e defende a candidatura própria do PMDB para a Presidência na eleição do ano que vem. Acha que o PMDB pode ser a opção à disputa entre PT e PSDB. ¿Temos o direito a uma chance de governar o país. Na entrevista ao Jornal do Brasil, Simon explica por que foi contra a proposta do PFL de pedir o impeachment de Lula e diz que o Brasil vive a pior crise política da sua história.

Diante do trabalho da CPI, o senhor diria que a hipótese levantada por muitos setores de que tudo terminaria em pizza continua valendo? ¿ Não vejo hipótese de ela existir. Os fatos que apareceram são tão evidentes, atingiram de tal forma a sociedade, que não tem como. Há provas. Por exemplo, o dinheiro do Banco do Brasil foi parar na caixa do PT.

O senhor acha que todos esses fatos levantados pela CPI apontam crime de responsabilidade do presidente? ¿ Aí tem uma coisa muito interessante. Inclusive não vou responder.

Por quê? ¿ Porque nós estamos vivendo um momento em que os fatos vão aparecendo. E a sociedade está vendo a responsabilidade. A gente tem que ter muito cuidado nessa hora, em que a crise é muito mais séria do que parece, para não deixar o caldo entornar.

O senhor chegou a intervir quando o o PFL propôs o impeachment? ¿ Sim. Disse que não dava para fazer isso, não tem lógica. Por que no Collor a coisa saiu até rápida? Porque o Collor não representava nada ¿ foi um relâmpago que apareceu, fez espalhafato, o caçador de marajás e quando se foi ver, não existia nada, não tinha história, não tinha biografia. E no meio disso surgiu um fato de uma concreticidade ¿ um cheque fantasma do PC Farias, de uma empresa de Goiás, na compra de um carro Elba com a nota fiscal tirada em nome do presidente Collor ¿ que até agora não apareceu com o Lula.

O senhor alertou o senador Jorge Bornhausen (presidente do PFL) que impeachment não se faz em gabinete. O senhor repete isso hoje? ¿ Repito. Impeachment não se cria em gabinete. Impeachment tem que surgir e a sociedade tem que aceitar. Nós temos que fazer com que a sociedade compreenda e aceite.

Reapareceu a tese do impeachment pelo jurista Miguel Reale. O senhor acha inapropriada essa discussão? ¿ Acho que não é problema discutir impeachment. O que temos que fazer é botar as provas em cima da mesa, as coisas erradas que aconteceram e punir.

A CPI vai punir? ¿ Ah, vai. Agora, se em determinado momento acharmos o presidente, aí é diferente, vamos pedir o impeachment. Agora, o momento de fazer isso, não é no meio das coisas.

O ministro da Fazenda, Antônio Palocci, está sendo questionado firmemente pelo Congresso. Pelo que o senhor conhece de política, a situação do ministro é insustentável? ¿ Acho difícil ele se manter. Ele está machucado com o governo. Se ele sair hoje, sai por cima. Se esperar isso crescer, ele for chamado para depor... E pelo jeito que se vê, acho que ele vai ter que depor.

O senhor acha que o PSDB e o PFL, que impediram muitas CPIs no passado, têm legitimidade para essa carga em cima do governo agora? ¿ É preciso analisar isso com calma. Estão começando a aparecer fatos que envolvem o governo anterior.

Quais? ¿ Os deputados que teriam sido comprados para votar a emenda da reeleição, a discussão que houve da privatização da Vale do Rio Doce a uma verba insignificante e o valerioduto que teria começado no governo do PSDB.

Por essa perspectiva o senador Azeredo teria que ser citado para a CPI como cassável? ¿ O argumento que está ali, que me parece verdadeiro, é o esquema do próprio Lula. O então tesoureiro do PSDB, que usou o dinheiro, disse que ele não sabia de nada, que não passava por ele.

Mas o senhor acha que a CPI tem de citar o senador Azeredo por quebra de decoro, da mesma forma como foi feito com o deputado José Dirceu? ¿ Da mesma maneira, não, porque o José Dirceu comandou o processo.

O relatório preliminar do Fruet diz que os mentores são Valério e Delúbio e tira o José Dirceu. O senhor percebeu esse detalhe? ¿ Isso eu não consegui entender.

Seria um canal de negociação do PT com o PSDB? ¿ Pode ser pelo Azeredo, sei lá, não entendi isso. Muito estranho. Juro que não entendi.

Do ponto de vista político, projetando para o ano que vem, o senhor votaria no Lula novamente? ¿ Hoje, não.

Ele é um candidato morto? ¿ Não.

Por quê? ¿ Em primeiro lugar, porque tem coisa que também estão pegando no PSDB. Então, o ideal é que aparecesse uma terceira ou uma quarta via.

O senhor acha que poderia ser um candidato do meio empresarial, como o Antônio Ermírio de Moraes? ¿ O Antônio Ermírio não pode mais ser. Pelo que sei não está filiado a partido. Acho que passou a época dele, mas poderia ser. Mas o meu PMDB, pode acreditar, não é nem terceira via, é quase uma segunda via.

Chegou a hora de o PMDB deixar de ser coadjuvante e ir para a urna com um candidato próprio? ¿ Chegou.

Tem um nome que o senhor apóia para presidente? ¿ Eu defendo, por ser do Rio Grande do Sul, o Germano Rigotto. Mas tem o Garotinho, o Requião, o Jarbas Vasconcelos, o Itamar Franco.

O senhor acredita que o partido tem condições de se juntar desta vez? ¿ Acredito que tem. Da outra vez os caras estavam colados no Fernando Henrique. E o Sarney e o Requião estavam colados no Lula. Agora, o que está acontecendo? O Lula está no chão e o PSDB também. Então a candidatura do PMDB, se fechar, é mais forte do que essas outras duas.

O que o senhor acha da candidatura do Nelson Jobim? ¿ É um bom nome. O Jobim pode ser o candidato do PMDB, por que não? É muito mais normal o Jobim ser candidato do PMDB do que ser candidato a vice pelo PMDB com o PT.

Qual pode ser o discurso do partido? ¿ Acho que temos o direito de ter uma chance de governar o país.

A questão é desenvolvimento? ¿ Exatamente, e de distribuição de renda.

O senhor vai ser candidato ao Senado novamente? ¿ Sim.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, que é do seu partido, tem defendido uma coligação com o PT. O senhor não concorda com isso? ¿ O Renan e o Sarney são os dois que defendem a coligação. Mas acho que eles são minoria.

A ministra Dilma Roussef tem falado que é necessário resolver a questão da infra-estrutura e dos investimentos. O senhor concorda com ela? ¿ A Dilma agora vai representar o que o Serra representou no governo do Fernando Henrique contra o Malan. Só que o Serra perdeu e o PSDB também.

Quando começou a crise política, havia a expectativa de que o Congresso iria terminar a votação da reforma política e votar a reforma eleitoral. O Senado votou e está parado na Câmara. O senhor acha que tem alguma chance de isso sair do papel? ¿ A única chancezinha que nós temos, que fica até feio eu falar, é o Tribunal Superior Eleitoral terminar legislando, fazendo aquilo que não fizemos.

No Congresso não tem mais como fazer? ¿ Não tem.

Na semana passada teve uma discussão dos prefeitos com os governadores em torno do Fundo de Participação dos Municípios e o ministro da Fazenda prometeu novamente votar a reforma tributária. O senhor acha que isso é possível? ¿ É conversa dele. Não dá para acreditar no que o ministro diz.

O senhor acha que está sendo mais ouvido agora dentro do seu partido? ¿ Não diria que estou sendo mais ouvido. Eu diria que estamos ganhando as teses.

O senhor disputaria a Presidência? ¿ Não, passou a minha vez. Fui candidato na eleição passada, andei pelo Brasil, quando cheguei na convenção, já tinham decidido, que era vice para o PSDB, e eu fiquei falando sozinho.

O senhor nunca pensou em trocar de partido para colocar o seu nome... ¿ Não, porque o meu partido tem mil defeitos, mas não tem nenhum partido melhor do que o meu. O que eu achava que ia ser uma maravilha, que era o PT, agora está muito pior que o meu.

O senhor, que é um político experiente... a gente sente uma pobreza de retórica do uso da palavra na tribuna. Talvez não tenhamos mais tribunos como antes. O que aconteceu? As pessoas não têm mais o dom da palavra? ¿ Perguntaram para o doutor Ulysses: ¿Como se corrige o Congresso? Está muito ruim¿. E ele disse: ¿Meu filho, está muito ruim. Mas pode ficar tranqüilo que está muito melhor do que o que vem depois de nós¿. Realmente há uma desilusão. Se pegarmos assim, só para te distrair, pega um livro desses parlamentares da Constituinte de 1946 para agora. Em 1946 eram só notáveis, juristas, intelectuais. Os maiores oradores do Brasil estavam todos ali. Hoje você convida uma pessoa dessas, ela se ofende.

O que o faz permanecer na política por tanto tempo? ¿ Eu tenho vergonha de sair da política e ter que reconhecer que saio deixando a política pior do que quando entrei. Nesses 40 anos, não adiantou nada. Então, não tenho autoridade para sair. Se tivesse melhorado, eu diria ¿agora já posso sair¿.

O senhor ainda é otimista, ainda tem esperança de poder construir alguma coisa melhor como político? ¿ Tenho. Não nego que estamos na pior crise da nossa história, em parte porque nós vivíamos a maior esperança da nossa história. Nunca na história houve tanto otimismo. Na vitória do Lula a euforia era geral. Até os caras do PFL e do PSDB ficaram torcendo para dar certo. O baque foi tão grande que hoje o que se sente é que Lula vai ter de fazer alguma coisa.

E o que vai dar para fazer? ¿ O que precisaria ser feito é uma espécie de um grande entendimento. O problema é o seguinte: é a honra, é a dignidade, é a ética, é a justiça social e a política... Vamos colocar e tocar adiante, acho que do fundo do poço é hora de subir.