Título: Um acordo para o saneamento básico
Autor: Karla Correia
Fonte: Jornal do Brasil, 21/11/2005, País, p. A4

Depois de 14 anos de debates, só agora o setor de saneamento básico conseguiu costurar um acordo para que o marco regulatório do segmento saia do papel. Um documento assinado por 30 entidades que representam as empresas ligadas aos serviços de saneamento básico no país sinalizou para o Congresso a existência de um consenso em torno do projeto de lei que estabelece normas para o setor. E deu o primeiro passo para destravar a tramitação da matéria, que já ameaçava se transformar na sexta tentativa infrutífera do governo em normatizar uma área tão estratégica para o desenvolvimento do país. O relator do projeto, deputado Júlio Lopes (PP-RJ) pretende apresentar ainda nesta semana seu parecer à comissão especial que analisa a matéria na Câmara, baseado no que afirma ser o primeiro movimento consensual do segmento em torno de um marco regulatório. Lopes quer também encomendar às associações ligadas ao setor uma pesquisa com as prefeituras e câmaras legislativas do país sobre as necessidades regionais em torno dos serviços de saneamento. ¿ Dessa forma a comissão terá em mãos um instrumento que permitirá localizar as verdadeiras necessidades e diferenças regionais em torno da regulamentação do saneamento básico, possibilitando que o projeto chegue ao plenário da Casa como uma decisão que envolveu todos os interessados na matéria ¿ explica Lopes.

Na expectativa do relator, o projeto deve ser apreciado pela comissão entre fevereiro e março do próximo ano, e votado em plenário em junho. ¿ Se passar muito disso, é grande o risco de o projeto ser mais uma vez engavetado ¿ admite ele.

Para o relator, muito da responsabilidade sobre a demora em estabelecer um novo marco regulatório coube à inabilidade política de sucessivos governos. Apenas o primeiro projeto sobre o assunto, apresentado em 1991, chegou a ser aprovado pelo Congresso, em 1995. Para logo depois ser vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, por falta de previsão de recursos orçamentários.

Todos os outros foram apresentados em regime de urgência constitucional, o que criou entraves para a negociação do texto, obstruindo a votação da matéria, de acordo com Lopes. O mesmo aconteceu com o atual projeto, discutido durante dois anos no âmbito do Executivo e enviado ao Congresso no início deste ano, em regime de urgência.

¿ Foi apenas depois que o ministro Jaques Wagner retirou a urgência do projeto, há quatro meses, que as negociações começaram de fato. Depois disso, fazer as entidades sentarem na mesma mesa já foi um avanço enorme. Conseguir que assinassem, juntas, um documento de acordo, foi uma vitória inestimável ¿ considerou o deputado e relator do projeto Júlio Lopes.

O que está em jogo é a definição de normas que abrirão espaço para a universalização dos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto e lixo no país, num prazo de 20 anos. O custo da empreitada é da ordem de R$ 178 bilhões, entre verbas orçamentárias e recursos da iniciativa privada, que hoje detém apenas 5% do mercado brasileiro de serviços de saneamento básico.

Para efeito de comparação, a verba destinada para saneamento no ano de 2004 foi de R$ 2 bilhões, apenas 22% da média anual necessária para se atingir a meta de universalização pretendida pelo governo.

Para mover esse significativo fluxo de investimentos da iniciativa privada será necessário que o novo marco regulatório exerça um poder de atração correspondente para as empresas. Daí a importância de se obter acordo dentro de um setor cujos representantes são interdependentes ao extremo. Mas o que de fato se tem, hoje, é um consenso parcial. Fornecedores e prestadores de serviço ainda se dividem em questões cruciais do projeto. É o caso da implementação de subsídios cruzados entre as concessionárias de serviços de água e esgoto. Ou da autorização dos serviços de coleta de lixo por cooperativas de coletores.

Mas a principal polêmica está na definição sobre a titularidade dos serviços de saneamento, uma briga antiga entre estados e municípios que só deve ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julga uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre o assunto. As empresas estaduais argumentam que o projeto cria um descompasso institucional ao deixar a gestão de recursos hídricos sob a gestão da União e Estados e a de saneamento ambiental, que tem na água uma espécie de matéria-prima, com os municípios. Mas as prefeituras e empresas municipais contam com a tendência do STF em garantir a titularidade aos municípios.