Título: Lula dá a senha do cofre a ministros
Autor: Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2005, País, p. A3

Durante todo o dia de ontem, presidente Luiz Inácio Lula da Silva costurou acordo entre os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, e da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Depois, bateu o martelo: ele quer que o governo mostre trabalho e gaste o que exceder a meta fiscal de 4,25% já este ano. Até então, a verba era usada para efeito de superávit. Com a medida, o governo espera viabilizar investimentos que precisam ser executados pelos ministérios até o fim do mandato, de olho na campanha de reeleição de Lula, em 2006. O valor ainda não foi definido, até porque ainda está em negociação, mas gira em torno de R$ 7 bilhões a R$ 14 bilhões para serem gastos ainda em 2005, de acordo com um auxiliar do presidente. Conforme antecipou o Jornal do Brasil em sua edição de ontem, o governo pretende investir R$ 20 bilhões até o fim do mandato. Ontem, durante o programa quinzenal de rádio, Café com Presidente, Lula prometeu tornar disponíveis R$ 4,084 bilhões para que estados e municípios realizem obras de saneamento básico.

¿ Ou nós assumimos definitivamente o compromisso de que saneamento não é gasto, é investimento; é melhoria da qualidade de vida e da saúde das pessoas ou daqui a 50 anos nós ainda estaremos discutindo como iremos resolver o problema do saneamento básico no Brasil ¿ afirmou Lula.

A iniciativa do presidente de encontrar uma saída negociada entre Palocci e Dilma ¿ disseram ontem auxiliares de Lula ¿ é uma maneira de produzir um armistício entre os ministros da Fazenda e Casa Civil. Um cessar fogo necessário para serenar os mercados e colocar água na fervura da crise instalada no governo.

Na prática, no entanto, de acordo com a interpretação de alguns governistas, a atitude representa um agrado a Dilma, que defendia a tese de investimentos.

A equipe econômica gostaria de fazer superávit acima de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) ¿ de janeiro a setembro, o acumulado estava em 6,1% ¿ ancorado no argumento da credibilidade junto aos investidores externos para gerar crescimento. Para a ministra da Casa Civil, no entanto, um superávit maior limita os investimentos e reduz o crescimento da economia no curto prazo, o que, no seu entendimento, servirá de obstáculo para as pretensões eleitorais de Lula em 2006.

O privilégio à execução orçamentária, em detrimento ao arrocho fiscal, também veio acompanhado da decisão tomada ontem pelo presidente de discutir com mais profundidade o plano econômico, apresentado por Palocci, mas rechaçado por Dilma, de um ajuste fiscal de longo prazo com superávit primário de 4,25% por dez anos. A decisão de Lula foi repetida nas palavras do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, em cerimônia de sanção da MP do Bem na tarde de ontem no Planalto.

¿ Temos que discutir mais sobre isso. O plano é incipiente ¿ cravou o ministro, questionado sobre o plano de longo prazo defendido com fervor por ele próprio na última semana.

Em recente entrevista, Dilma classificou o plano de ¿rudimentar¿, acrescentando que, ao não diminuir a relação entre a dívida pública e o PIB, a política monetária ¿enxugava gelo¿.

O assunto foi discutido numa série de reuniões pela manhã no Planalto, entre elas a da Coordenação Política com a participação de Palocci, Dilma, o ministro da Secretaria Geral, Luiz Dulci e da Coordenação Política, Jaques Wagner.

Apesar da determinação de gastar o excedente, Lula repetiu, durante solenidade no Planalto, que deseja manter Palocci no cargo. Segundo auxiliares do presidente, Lula não pensa em demitir nem Palocci, nem Dilma. Palocci, no entanto, ainda se sente fragilizado. De acordo com um ministro do governo, o ápice da crise interna foi atingido na última quinta-feira, dia em que a tensão, alimentada pelas divergências entre a área econômica e a Casa Civil, foi elevada à máxima potência no Planalto. Na ocasião, Palocci teria, segundo um auxiliar de Lula, renovado suas críticas ao comportamento da ministra da Casa Civil.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reafirmou, no entanto, que não falta apoio de Lula ao titular da Fazenda.

¿ O presidente Lula tem apoiado todos os ministros. Não falta apoio. Estranho seria apoiar um e não outro ¿ respondeu Bernardo, ao ser questionado por jornalistas sobre as divergências entre os ministros.