Título: Plano de desenvolvimento ou terceira via
Autor: Marcelo Coutinho*
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2005, Ooutras Opiniões, p. A11

Desde que começamos a nos redemocratizar a economia brasileira nunca viveu um momento tão promissor como agora. Por certo, isso não se deve exclusivamente ao governo do PT, tendo em vista também um contexto internacional bastante favorável. Mas faz-se injustiça não creditar ao trabalho da equipe de Lula parte importante deste bom desempenho econômico.

O PIB e os investimentos produtivos crescem, a inflação cai, o emprego e a massa salarial aumentam no país. As reservas internacionais estão sendo repostas, diminuindo significativamente nossa vulnerabilidade. Batemos recordes sucessivos de exportação, o que nos dá um excelente superávit comercial. A dívida pública melhorou seu perfil depois de duplicar nos anos 90. Já a relação dívida/PIB se estabilizou e tende a recuar em 2006 mais do que decresceu em 2004. Consolidamos nossa credibilidade externa, saímos do FMI e mesmo os juros estão finalmente em tendência de queda.

Não obstante essa performance, crescemos menos que os países emergentes que ainda se recuperam de crises profundas (ex: Argentina e Venezuela), que partem de patamares de desenvolvimento muito inferiores ao brasileiro (ex: Peru e Equador) e que têm crescido há anos consecutivos conforme projetos nacionais (ex: Chile e China). Por outro lado, já ultrapassamos no ano passado o ritmo do crescimento mexicano, que está ancorado ao Nafta e goza do grau de investimento. Além disso, observando nossa própria série histórica, a média de crescimento do biênio 2004-2005 (mais de 4%) foi a maior dos últimos 10 anos e praticamente o dobro da média de crescimento das duas décadas precedentes (pouco superior a 2%). Em 2003, convém lembrar, ainda saíamos de uma crise de confiança. Por sua vez, as perspectivas para 2006 são bem mais auspiciosas que aquelas herdadas pelo governo petista.

A realidade, portanto, é que depois de enfrentar 20 anos de oscilações na economia, de partidas e freadas no aquecimento econômico, devido a turbulências sistêmicas e políticas equivocadas, o Brasil tem agora condições de crescer de forma sustentável, o que não significa dizer que isso vá de fato se concretizar.

Avaliando seriamente os números, ilude quem atribui seus acertos apenas ao cenário internacional, enquanto todos os desacertos cabem ao governo Lula, da mesma maneira quem, inversamente, atribui os problemas do governo anterior somente às dificuldades de natureza externa e, suas virtudes, à proeza de FHC. Fazer isso significa claramente se alinhar a um dos lados, além de incorrer em análise contraditória.

Ambos os governos cometeram erros, alguns dos mais relevantes ligados a um certo exagero na ortodoxia da política econômica. Exemplos dessa exacerbação são as crises energética, durante o governo Fernando Henrique, e da aftosa, durante o governo Lula, provocadas ora pelo contingenciamento fiscal, que não libera verbas essenciais, ora pela falta de planejamento, que ignora o longo prazo. Os últimos governos também se equivalem nas acusações de corrupção e ilegalidades (privatizações suspeitas, compras de votos, valerioduto, caixa dois etc). No entanto, desta vez, a oposição é sensivelmente maior dentro e fora do Congresso, o que amplifica a disputa política.

O risco está em o recrudescimento do conflito partidário, previsto para as eleições de 2006, deslocar o tema ''desenvolvimento'' do centro das atenções, frustrando, com isso, pelo menos 70% das famílias brasileiras que, empobrecidas, ainda aguardam programas de governo que combinem o tripé da estabilidade (câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal) com outras medidas de distensão, como metas de investimento direto e desconcentração de renda. A mera troca de acusações talvez possa ser compreendida pelos eleitores simplesmente como vazio de idéias; ausência de um plano para superar os grandes desafios nacionais ou mesmo falta de vontade em fazê-lo. Sendo assim, estará aberto o caminho para uma terceira via ao PT, há menos de três anos no poder, e ao PSDB, oito anos à frente do país, entre 1995 e 2002.

Se estiver minimamente correto o raciocínio das expectativas ascendentes, segundo o qual o início de uma melhora no quadro sócio-econômico provoca o aumento das demandas populares, então discursos estritamente moralistas e que enfatizem apenas a eficiência de gestão devem fracassar. Provavelmente esses sejam discursos confortáveis para setores da classe média, mas, ainda assim, óbvios e insuficientes para a maior parte da população que aspira um salto qualitativo nos próximos anos, começando imediatamente. Essa população já sente a oportunidade de mudança social, de modo que desperdiçá-la traria conseqüências imprevisíveis ao país: uma jovem democracia que pode não suportar mais 20 anos de espera.

*Marcelo Coutinho é coordenador executivo do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).