Título: A dignidade perdida
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2005, País, p. A2
A conclusão clara do encontro realizado segunda-feira por iniciativa do Jornal do Brasil, sobre o resgate da dignidade na atividade política, é de que estamos diante da catástrofe. Faz-se alguma coisa, e se faz já, ou os frágeis liames da sociedade nacional se rompem de uma vez, com a eclosão de um processo de desintegração nacional. As comunidades políticas vivem em crise permanente, na busca do equilíbrio entre o interesse individual e a necessidade coletiva. É uma tensão que se alivia em algumas etapas históricas e se acentua em outras. É o preço que os homens pagam pela sua presunção de superioridade na natureza. Os filósofos morais diriam que é o confronto permanente entre a besta e o anjo que coabitam o corpo e a alma dos homens. Os teólogos falam na pugna eterna entre o bem e o mal. À política - que deveria ser a mais sábia das atividades do homem - cabe administrar, dentro das condições específicas de cada tempo e circunstância, os conflitos entre os interesses humanos. Eles, no fundo, se resumem no problema da posse. Da posse de bens materiais (em princípio, o mundo é de todos) e de atributos éticos. É nesse ponto que surge o problema da dignidade na política. O que a política deve garantir (ao garantir outras propriedades, ou seja, aquelas coisas próprias ao homem) é a dignidade do ser único, indivisível, com sua própria personalidade, sua liberdade, sua vontade. O que faz alguns homens dignos ou indignos é o seu comportamento social.
A dignidade se confunde com os direitos naturais do homem. O primeiro desses direitos é o da vida, que deve ser preservada ao máximo. Comer não é só direito, mas dever de cada um; curar-se de eventual enfermidade é também um dever. Abandonar o próprio corpo à fome e à doença é, em uma visão mais alta da teologia, pecado capital. Deixar que alguém morra de fome, dispondo de comida que o possa salvar, é assassinato. É da dignidade do homem e da mulher buscar a comida com suas próprias mãos, para si e para seus filhos, ainda incapazes de fazê-lo. Quando impedimos o homem de buscar o pão de que necessita, estamos roubando a sua dignidade. O Estado existe exatamente para cuidar de que esses direitos básicos sejam assegurados.
É assim que pode ser entendida a frase de Itamar Franco no encontro de segunda-feira: o Estado perdeu o seu poder de influir sobre a sociedade. O Estado foi criado para promover a justiça. Promove-se a justiça em cada ato do governo, como também se nega a justiça na usurpação da política pelos canalhas. Promove-se a justiça quando se incentiva o desenvolvimento econômico e se criam empregos, como fez Juscelino em seus cinco anos. O governo militar, tão violento, tão repressivo e tão injusto, pelo menos cumpriu parte de seu dever, ao retomar o programa de desenvolvimento de Vargas e Juscelino e criar empregos.
Mal ou bem, com as dificuldades conjunturais do tempo, o primeiro governo civil, o de Sarney, buscou o equilíbrio das finanças públicas e manteve o propósito do desenvolvimento. A partir de Collor - com o intervalo de resistência de Itamar -, o mercado tomou o lugar do Estado. Deixou de haver política, tal como nós a entendíamos. O governo anterior desmontou os instrumentos de que dispúnhamos para promover o desenvolvimento autônomo da nação e entregou aos interesses privados, na maioria estrangeiros, as empresas estratégicas de economia mista, como as de produção e geração de energia, de telecomunicações, de química de base. E só não desnacionalizou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal porque não teve tempo.
O Brasil tem quase 200 milhões de habitantes. São homens, mulheres, jovens e idosos honestos, que sempre lutaram, e lutam muito, para sobreviver. Neles, em seus sacrifícios e em seu patriotismo, estão as reservas de dignidade de que necessitamos. É preciso que os cidadãos honrados se organizem, defenestrem dos partidos os corruptos e corruptores e assumam o dever de reerguer o Estado Republicano, para conservar a Nação.