Título: A Dama-de-Ferro conquista a África
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 13/11/2005, Internacional, p. A13

Primeira mulher a presidir um país no continente, Ellen Johnson-Sirleaf tenta recriar uma nação destruída com aceno de união

Em um país marcado por mais de 25 anos de guerra civil, que matou cerca de 200 mil pessoas e provocou a emigração de mais meio milhão, nem o processo democrático eleitoral passou ileso. A vitória, na Libéria, da economista Ellen Johnson-Sirleaf, primeira presidente mulher na África, foi um marco na história do continente. Mas os protestos pelo país, em especial, na capital Monróvia, deixaram claro, no entanto, que a Dama de Ferro, como é conhecida, terá uma missão árdua. Grande parte dos manifestantes são eleitores do ex-pop-star do futebol, George Weah - que venceu o primeiro turno das eleições.

Num continente de tradição paternalista presente e, em particular, na Libéria, a chegada de uma mulher à presidência revela uma mudança na mentalidade. Ao menos é o que pensa Alexandre dos Santos, mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio:

- Os homens, principalmente os mais velhos, são considerados muito importantes, em especial na esfera política. A eleição da Ellen mostra, nesse sentido, a quebra de uma cultura.

Mas é apenas o início de uma ruptura. Manifestações, com direito a faixas (''Sem Weah, sem paz'' e ''Sem Weah, sem presidente'') e ataques com pedras aos policiais locais, mudaram o foco pós-eleitoral na Libéria: menos comemoração por uma mulher finalmente ter alcançado o poder e mais preocupação com o possível retorno da agressividade das milícias - daqueles grupos de jovens, em maioria, do interior do país que aderem à guerrilha como forma de sobrevivência. Herança dos 14 anos de governo ditatorial de Charles Taylor, em que cada província protegia com armas seus territórios. Com um detalhe extra: grande parcela desses jovens armados são verdadeiros fãs e, conseqüentemente, apoiadores de Weah.

- Para se evitar a possibilidade de um novo rastro de violência, o governo de Ellen poderia ter como estratégia colocar Weah em algum ministério, com o intuito de ajudar na união do país - analisa Santos, para quem o discurso de Weah, levantando a hipótese de fraude eleitoral, torna muito mais instável a situação e propício o terreno para novas guerrilhas.

Durante sua campanha eleitoral, Weah defendeu o desarmamento e conseguiu mobilizar uma parcela significativa de alguns grupos étnicos que, até então, se portavam como guerrilheiros. Influente e com alta popularidade nas camadas mais carentes, o perdedor poderia se transformar em importante aliado para a reestruturação do país:

- Seria muito inteligente se Ellen convidasse Weah para o governo. Mas não sei até que ponto eles conseguem escapar de suas diferenças para efetivar essa idéia - ressalta o coordenador da pós-graduação de Estudos Étnicos e Africanos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Livio Sansone.

Com ou sem a parceria, os desafios mais dramáticos da nova presidente já foram anunciados: desmilitarizar as milícias, reatar os laços diplomáticos com os países vizinhos e, sobretudo, reunificar o país socialmente. Segundo o pesquisador, cuja dissertação de mestrado foi justamente sobre as intervenções humanitárias na África, num país cerzido e dividido como a Libéria, a peça-chave a ser mexida é a reforma social:

- As eleições, nesse ponto, podem ser vistas como divisor de águas: momento de se reconstruir, de ter mais atenção interna, para funcionar plenamente como nação.

Com uma Libéria imersa em problemas estruturais, a chegada da primeira mulher à presidência na África está sendo ofuscada:

- Há, de fato, um avanço por ela ser mulher. Mas temos que pensar que ela é da elite, é uma banqueira. Me pergunto ainda se isso não contribuiu para a eleição. O passo realmente positivo é que se teve uma eleição democrática. Não foi um golpe. Na história da Libéria, esse é o grande fator de destaque - aponta Sansone.