Título: Um alento contra o efeito da seca
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 14/11/2005, Internacional, p. A3

A nanotecnologia pode contribuir para a seca. Um pó desenvolvido a nível molecular reduz a evaporação de açudes, lagos e reservatórios de água. A descoberta é do engenheiro químico brasileiro Marcos Gugliotti, que realizou uma pesquisa financiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo ).

- As altas taxas de evaporação inviabilizam a construção de açudes em regiões como o Nordeste - afirma ao JB o coordenador do trabalho, que tem pós-doutorado em Físico-química de Superfícies pela Universidade de São Paulo (USP).

A eficiência do produto foi testada numa experiência realizada em setembro. A mistura foi lançada no lago artificial, no Anexo I da Câmara dos Deputados, em Brasília, numa área de 13 mil m² que contém 4 milhões de litros de água. O pó evitou a perda de cerca de 81 mil litros.

A média de evaporação que normalmente é de 5, 88 ml por dia chegou a ser reduzida a 2,62 ml diários. Os resultados mostraram uma média do índice de diminuição de evaporação de 21.14%, numa economia gerada de 16 mil litros por dia. Em condições normais, a perda diária é 76.440 litros.

A substância não poluente, composta de surfactantes e calcário, cria um filme ultrafino na superfície da água.

- Fiz três aplicações em cinco dias. Usei uma pá do tamanho de uma colher para jogar o pó, que também pode ser aplicado manualmente com uso de luva e máscara, já que não deve ser inalado. O vento ajudou a espalhar a substância insolúvel, que não se mistura com a água - conta Gugliotti.

Segundo os cálculos do especialista, para cada 10 mil m² é necessário 1kg de pó, que não causa impacto no meio ambiente e pode ser utilizado em locais habitados por seres vivos. Ao final do teste não foi encontrado nenhum problema na qualidade da água ou qualquer alteração em seu pH (índice de acidez).

- A película ultrafina permite a passagem de oxigênio e gás carbônico. O ''filme'' é chamado monomolecular porque tem a espessura de uma molécula: cerca de 25 ângstrons, o que corresponde a décima parte de 1 ml dividido por 1 milhão - explica Gugliotti. - Com as trocas gasosas da água com a atmosfera os peixes não morrem.

Além disso, a mistura é biodegradável.

- Em 48 horas o meio ambiente consegue absorvê-lo. Cerca de 77% do ''filme'' se transforma em gás carbônico e água. Também não ocorre a bioacumulação, ou seja, as partículas do produto ingeridas pelo peixes saem nas fezes - afirma o engenheiro-químico.

Os mecanismos que permitem o impedimento da evaporação são o ''efeito barreira'' e a diminuição da ondulação na água - que fica com um aspecto liso e brilhante.

- Quanto maior a superfície exposta ao sol e ao vento, maior a evaporação. Sem a rugosidade, a superfície de contato é reduzida - acrescenta.

Marcos Gugliotti já entrou com um pedido de patente do produto, que também se mostrou eficaz para a redução da evaporação de água no solo. O engenheiro-químico é diretor da Lótus Química Ambiental, sediada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas.

- O próximo passo é procurar outros reservatórios para fazer mais testes, de preferência açudes no Nordeste.