Título: A verdadeira alforria
Autor: Paulo Paim*
Fonte: Jornal do Brasil, 14/11/2005, Outras Opiniões, p. A11

Em 13 de maio de 1888 a lei 3.353 é sancionada. Com isso é declarada extinta a escravidão no Brasil e dois artigos garantem isso: ''Art. 1º - É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário''. Mas, o que vimos não foi isso. A Lei Áurea apenas tornou os negros libertos só que não lhes deu direitos, não os transformou em cidadãos. As leis que se seguiram continuaram perpetuando os preconceitos e as discriminações. Negros não eram - e ainda hoje, para muitos, não são - cidadãos.

Aos poucos e arduamente a nação negra brasileira foi conquistando espaços. E a prova maior disso é a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pelo Senado Federal. Uma matéria construída ao longo de anos pelo conjunto do Movimento Negro.

A aprovação nos mostra que os homens e as mulheres de bem do país querem, sim, a promoção da igualdade racial. Agora a matéria vai para a Câmara dos Deputados e a vontade de todos os parlamentares, do Executivo, das lideranças do Movimento Negro e da sociedade organizada é que o projeto seja aprovado na semana que vem para que, no dia 20 de novembro - data que marca a morte do grande líder negro Zumbi dos Palmares-, a lei seja sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para exigir reparações e para que o Estatuto seja aprovado, teremos as Marchas ''Zumbi + 10'' nos dias 16 e 22 deste mês. Após 117 anos, com a sanção do Estatuto, teremos a verdadeira carta de alforria dos afro-brasileiros. A exemplo do que aconteceu nos EUA, quando Marther Luther King liderou a Marcha sobre Washington que garantiu os direitos civis para os negros americanos, o Estatuto garantirá os nossos. Não podemos nos esquecer que a população brasileira é composta por 48% de afro-brasileiros.

Devemos nos perguntar: quantos desses estão em bons postos de trabalho? Quantos têm acesso ao ensino? E à saúde? Nós, negros, compomos as classes sociais mais baixas e somos os que possuem os menores índices de escolaridade. Constituímos 65% dos pobres e 70% dos indigentes. Nos entristece ver que o preconceito no Brasil é generalizado. Ele existe na área privada e nas esferas de governo; existe em todas as regiões do país e em todas as classes sociais... Para o negro tudo é mais complicado.

Por isso o Estatuto. Ele respeita a verdadeira história de brancos e negros na formação do povo brasileiro. É um documento que sintetiza todo o nosso esforço na luta pela cidadania negra. Nosso projeto responde por políticas públicas de combate ao racismo em diversas áreas: no trabalho, na saúde, na educação, na mídia, garantindo a moradia e a terra aos descendentes dos quilombolas; em defesa das mulheres negras, protegendo as religiões de matriz africana, reservando as cotas, entre outras. São artigos com políticas públicas de combate ao preconceito e ao racismo e que valorizam a população afro-brasileira.

Como dissemos, por anos lutamos para construir e aprovar o Estatuto. Agora o vemos aprovado em uma das Casas do Congresso Nacional e prestes a se tornar lei. Uma vitória inegável e na qual devemos destacar o papel dos relatores da matéria no Senado, senadores Roseana Sarney e César Borges e do relator responsável pelo substitutivo global, senador Rodolpho Tourinho; do relator na Câmara, deputado Reginaldo Germano; do presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, senador Antônio Carlos Magalhães; da ministra da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro; do deputado federal Luiz Alberto e dos demais parlamentares que integram o Nupan; do Movimento Negro; da Casa Civil, enfim, de todos aqueles que lutam por um país mais solidário, igualitário e justo.

Após a sanção teremos mais uma batalha. E para ela precisaremos de todos os brasileiros. Assim como lutamos para, de fato, aplicar o que dispõe o Estatuto do Idoso, teremos de fazer o mesmo pela aplicação do Estatuto da Igualdade Racial. Apenas a mobilização e a união da sociedade é que fará com que a lei seja cumprida.

*Paulo Paim é presidente das Subcomissões da Igualdade Racial e Inclusão (CDH) e do Trabalho e Previdência (CAS) e é autor do Estatuto da Igualdade Racial.