Título: A cidade partida
Autor: Bayard Boiteux *
Fonte: Jornal do Brasil, 14/11/2005, Outras Opiniões, p. A12
A cidade do Rio de Janeiro acorda assustada diariamente com o índice de violência, que devagar vai se espalhando pelos quatro cantos do maior cartão-postal do Brasil. Ao sairmos de casa, não sabemos se retornaremos em função das balas perdidas, confrontos entre policiais e traficantes, invasões de prédios ou ainda dos acidentes no trânsito. O problema é alarmante e parece sem solução. Até quando vamos agüentar? Estamos transformando nossa cidade numa prisão de segurança máxima, para sobreviver em alguns condomínios de luxo. Não nos cabe buscar as origens do mal neste momento, mas simplesmente tecer algumas considerações: o direito da cidade nasceu para dignificar a qualidade de vida do homem urbano e mostrar caminhos legais para tal, através do estatuto da cidade. O conceito de cidade pressupõe políticas específicas de habitação, educação, saúde e trabalho para conseguir frear o dilúvio da violência. Seguramente, não são os restaurantes, as casas e os hotéis por 1 real que vão resolver o problema brasileiro, nem ainda o Fome Zero. Estamos cansados do populismo barato e buscando cabeças pensantes que encontrem soluções. Existe um sábio provérbio chinês que diz que devemos ensinar a pescar e não dar peixes.
Uma das situações mais assustadoras é a falta de uma política de salários condizentes com as atividades da Polícia Militar e da Polícia Civil. Como pode um PM, por exemplo, receber um salário que lhe obriga a viver escondido dentro das comunidades, ao lado do poder paralelo dos traficantes, que o tenta diariamente com propinas? O governo tem que buscar rapidamente uma forma de moradia para tais funcionários públicos e rever suas remunerações. Caso contrário, a probabilidade de corrupção aumenta.
Por outro lado, além dos jovens das comunidades, que vislumbram no tráfico, um status e uma forma de reconhecimento local, surgem agora os pitboys das classes médias, criados em condomínios fechados, que passaram a aterrorizar minorias e a noite carioca. Como se não bastassem, os mesmos filhos de classe média resolvem delinqüir, para comprar drogas.
Acorda, Brasil: quando o Rio vai mal, o país vai pior ainda. De nada adianta passeatas nas ruas, capitaneadas por meia dúzia de gatos pingados e membros da classe média alta que se sentem ameaçados em suas redomas de ouro. É preciso refletir na hora da escolha dos governantes e cobrar a materialização de seus planos marqueteiros de responsabilidade social, apresentados nas campanhas.
A cidade tem que se preocupar com a geração de empregos, com as escolas em tempo integral, com a estruturação dos hospitais, e com uma visão participativa, através dos conselhos comunitários para entendimento de uma realidade que não pode ficar nos sufocando, dentro de casa e precisa de um fórum de discussão.
É um grito de alerta de um cidadão que ama essa cidade, mas que tem medo de perdê-la, se perder dentro dela ou ser perdido por ela.
*Bayard Boiteux é diretor do Curso de Turismo da UniverCidade e doutorando em Direito da Cidade pela Uerj.