Título: Aborto agita o Congresso
Autor: Luciana Navarro
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2005, Brasília, p. D4

Militantes pró e contra a descriminalização do aborto lotaram a sala de reuniões da Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara dos Deputados. Organizações não-governamentais (ONG) da cidade e de outros estados se reuniram para defender seus pontos de vista na audiência pública que discutiu o Projeto de Lei 1135/91, que retira do Código Penal o artigo que tipifica como crime o aborto provocado ou consentido pela gestante. Cada grupo fez o que pôde para defender sua posição, fosse ela favorável ou contrária. Com camisetas, lenços, adesivos e panfletos, os grupos pró e contra tentaram convencer os deputados integrantes da comissão. A platéia vibrava a cada argumento favorável à opinião defendida por ela. Para tentar evitar maiores disputas, a segurança da Câmara solicitou aos dois grupos que recolhessem os cartazes.

Nem mesmo os palestrantes mantiveram o ânimo calmo. O primeiro a se apresentar foi o jurista Ives Gandra Martins. Contrário à descriminalização do aborto, ele baseou a apresentação no conceito de que a vida começa no momento da concepção e, por isso, seria, segundo ele, um homicídio matar um feto na barriga da mãe.

- Ou nós acreditamos que somos seres humanos desde a concepção ou temos de admitir que somos apenas animais - provocou Gandra.

Fiscalização - Na maioria dos casos, o aborto é tido como crime no Brasil. Entretanto, poucas são as penalizações aplicadas às mulheres e médicos que praticam aborto. Pesquisa feita pela ONG Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos, na cidade do Rio de Janeiro, mostra que, de 1999 a 2004, existem só 11 processos contra mulheres por suposta pratica de aborto. A pesquisa, em fase de conclusão, deve se estender a outras unidades da federação.

Estima-se que são realizados cerca de um milhão de abortos por ano. De acordo com dados do Ministério da Saúde, as seqüelas causadas por abortamentos clandestinos são responsáveis por 234 mil internações anuais no Sistema Único de Saúde (SUS), o que provoca um gasto anual de R$ 30 milhões ao governo federal. A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, mas os dados separados para Brasília e entorno não estavam disponíveis.

- Pelos números podemos ver que abortos mal conduzidos custam caro ao Estado. Além disso, nenhuma mulher recorre ao aborto por prazer, mas por necessidade - argumentou, sob aplausos e vaias da platéia, o diretor do Instituto de Medicina Fetal de São Paulo, Thomaz Rafael Gollop, segundo expositor na CSSF.

Depressão - Para a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Lilian Piñero Marcolin Eça, o aborto não mata apenas o bebê. Especialista em biologia molecular, ela defendeu a manutenção do aborto como crime.

- Com o aborto, a mulher mata a si mesma. É um engano ela achar que está resolvendo um problema. Faz isso porque não enxerga nada no microscópio a laser - afirmou Lilian, ao citar os riscos da mulher entrar em depressão após a realização de um aborto.

Segundo o juiz do Tribunal de Justiça e vice-diretor do Departamento de Cidadania e Direitos Humanos da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Roberto Arriada Lorea, independente do que a CSSF decida, o aborto vai continuar sendo praticado no Brasil.

Para Ângela Freitas, presidente da ONG feminista Instituto Patrícia Galvão, há um desejo político de não legalizar o aborto, mas falta um desejo político de fiscalização das clínicas clandestinas.

- É uma hipocrisia. Mulheres quando querem interromper a gravidez o fazem de qualquer jeito. O que nós defendemos é uma política integral para defender a educação sexual, maior investimento em segurança da mulher. Hoje temos uma ausência de tudo isso - argumentou Ângela.

A deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), contrária à descriminalização do aborto, defendeu maior rigor na fiscalização das clínicas clandestinas.

- Quem deveria fiscalizar isso é a Polícia Civil e o CRM [Conselho Regional de Medicina], mas não fazem isso por uma questão corporativa - disse a deputada.

De acordo com a presidente do CRM-DF, Lucianne Reis, o conselho regional nunca recebeu nenhuma denúncia de médicos praticando aborto em Brasília. Segundo ela, se o aborto é realizado por não médicos não cabe ao conselho fiscalizar.

- Com essa falta de dados os argumentos dos dois lados são favorecidos porque não temos como comprovar uma versão ou outra. Não interessa para a paciente nem para o médico denunciar - afirmou Lucianne.