Título: 'Palocci sente na pele o que eu senti'
Autor: Ana Maria Tahan, Leila Youssef e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 20/11/2005, País, p. A2

Muito mais magro, o terno preto risca de giz dançando no corpo, camisa branca e gravata azul claro, o deputado José Dirceu (PT-SP) entra num salão decorado com móveis coloniais no tradicional Hotel Glória, no Rio. Senta-se à ponta de uma mesa, recosta-se à cadeira, cruza as pernas e vaticina. ¿ Eu nunca estive tão cansado.

A angústia faz sentido. Há seis meses, ele é acusado de ser o mentor do mensalão e está na reta final de um processo que pode cassar seu mandato na Câmara e seus direitos políticos por oito anos. Neste período crítico, entretanto, Dirceu diz que não lhe faltou solidariedade de amigos, de integrantes de seu partido nem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo assim, afirma que toda a crise trouxe um sofrimento muito grande à sua família:

¿ Todo mundo sofreu muito. Tenho preocupação com a minha mãe que tem 85 anos. Meus irmãos, minhas irmãs, filhos. Todo mundo compreendeu o processo. Pior é a situação de milhões de brasileiros que estão desempregados, passando fome.

Dirceu, no entanto, não desiste. Na última sexta, após receber a reportagem do Jornal do Brasil, embarcou para São Paulo, onde houve mais um ato de militantes contra sua cassação. A maratona continuou no fim de semana, com manifestações em Brasília e em Belo Horizonte.

Durante a conversa, o deputado disse estar distante das decisões de seu partido. Mas, na prática, ainda é clara sua influência, como por exemplo quando cita quem vai coordenar a campanha de Lula em 2006, depois de os principais líderes do PT terem sido envolvidos nas denúncias de corrução.

O senhor está protelando sua agonia. Qual o saldo dessa luta? ¿ A palavra agonia revela o pré-julgamento. É grave porque muitos setores já me julgaram, já me condenaram. Ainda não fui julgado. O que estou fazendo é o que todo cidadão deve fazer. Estou defendendo as liberdades individuais. Defendendo os prazos processuais, a presunção da inocência e que o ônus da prova cabe ao acusado. Estou simplesmente fazendo valer a lei. O relaxamento processual é típico das ditaduras.

O senhor está ganhando mais apoio. Era esse um dos objetivos? ¿ Eu não previa que o Conselho de Ética fosse cometer tantas ilegalidades. O que aconteceu é que mudou a situação política do país e de como a sociedade está vendo esse processo. Está mais claro que o que está acontecendo é a tentativa da oposição de desestabilizar e inviabilizar o governo, antecipar a sucessão e inviabilizar a reeleição do presidente Lula.

¿ As CPIs disseram a que vieram?

O relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) não comprovou a origem do dinheiro. Esse assunto da Visanet ao que tudo indica é um tiro n¿água. Ele não conseguiu provar que haja recursos de outra origem além dos empréstimos dos bancos Rural e BMG para as empresas de Marcos Valério.

E os fundos de pensão e Correios? ¿ Ainda vão ser apresentados os relatórios. Se tiver irregularidades, tem de punir. O que não está comprovado nem tem indícios é que era o governo, o presidente da República ou os ministro que promoviam isso.

O relatório de Gustavo Fruet (PSDB-PR) coloca Valério e Delúbio como mentores do mensalão. ¿ Todos os relatórios me absolvem. O voto que cassou o Roberto Jefferson deixa claro que não existe mensalão. Em segundo lugar, fui acusado sem provas de que tive conhecimento ou, ao receber os bancos, fiz tráfico de influência. Agora o relator diz que não tem empréstimos.

Esse relatório sinaliza para um acordo entre o PT e PSDB? ¿ Não há nenhum acordo. Inclusive porque a oposição quer continuar com a CPI. Auto-prorrogar é anti-regimental. Isso que está acontecendo no Brasil é grave. É evidente que é uma ilegalidade. O Conselho de Ética prorrogar o meu processo é uma violência, porque o Código diz que o prazo (da tramitação) é de 90 dias.

O senhor diz que não há mensalão. Então, o que há? ¿ O que existem são empréstimos, que são legais, mas do ponto de vista eleitoral e da lei orgânica dos partidos é um ilícito. E Delúbio Soares e Marcos Valério serão responsabilizados. O que não se provou foi a compra de votos para votar projetos do governo ou pagamento regular de deputados.

Mudou o ânimo do plenário da Câmara quanto a sua cassação? ¿ A minha cassação se transformou numa cassação política, o que é inconstitucional. Senão, a maioria amanhã pode cassar quem quiser. Cassação política é o eleitorado que faz. O plenário inteiro sabe que não existe mensalão e sabe que não tive participação nenhuma. Se houvesse, eles falariam para vocês. A minha expectativa é de que o Congresso faça justiça e não me casse, porque não há provas contra mim. Aceitei a inversão do ônus da prova e a presunção de culpa, o que é um escândalo, e provei que sou inocente. Quero ser julgado pelo meu partido e nas urnas no dia 1º de outubro. Querem me cassar porque sou José Dirceu, fui presidente do PT, coordenador da campanha do Lula e ministro. No fundo, não sou eu que estou sendo cassado: é o PT, o governo, uma parte da História do Brasil e da esquerda brasileira. O processo mostra que qualquer cidadão no Brasil está sujeito a essa violência.

O ministro Palocci passa pela mesma situação que o senhor enfrentou? ¿ É evidente. Ele, há muito tempo, já está sentindo na pele o que eu senti.

Ele deveria sair do governo? ¿ Sou radicalmente contra o Palocci sair do governo. Felizmente havia dito isso antes da recente crise. Existem divergências sobre a condução da política econômica como em qualquer partido ou governo. Há um acordo da competência, da habilidade e da capacidade de articulação do ministro Palocci. Ele conseguiu controlar a inflação, retomou o crescimento, mas há muita divergência sobre metas de inflação, o tamanho superávit, a execução orçamentária e as prioridades. Aí há divergências, mas ninguém da bancada do PT é favorável à saída do Palocci. Pelo contrário. A oposição está cometendo erros atrás de erros porque o PT está coeso. As divergências foram deixadas de lado.

Mas, a ministra Dilma Rousseff não alimentou isso? ¿ Eu não acredito nisso. O Palocci foi arrastado. Coincidiu com uma ofensiva da oposição para tentar desestabilizar a política econômica e inviabilizar o governo do presidente Lula. Tanto é verdade que a oposição em vez de inquiri-lo na Comissão de Assuntos Econômicos, não o fez para tentar marcar para depois de 15 ou 30 dias, para prorrogar a crise.

A oposição perdeu o discurso? ¿ Totalmente. A sociedade brasileira tem maturidade política para julgar não só o governo, mas também a oposição. Não é só o governo que vai ser julgado na eleição de outubro de 2006, a oposição também. Porque o PT foi julgado em 1994 pelos erros que cometeu de 1991 a 1993, pelas decisões que tomou de dizer que Itamar Franco era igual a Collor. A oposição está achando que não vai ser julgada pela sociedade por esse tipo de comportamento. A sociedade tem direito de exigir do PT que ele pague pelo que fez de errado. Mas não pode aceitar que o PT acabou e que não vale nada. Se fosse assim, a Igreja Católica não existiria.

Dá para reorganizar o PT para disputar a reeleição? ¿ Dá. O PT tem condições, tem força política e o presidente também tem. Para isso, precisa resolver as maiorias na Câmara e no Senado, dar consistência à ação governamental, ter as prioridades para o ano que vem e incentivar mais os investimentos em infra-estrutura e em educação.

Vai participar da campanha? ¿ Vou. Como filiado do PT e parlamentar. Não como dirigente.

Vários estrategistas de Lula ficaram pelo caminho na crise. Quem comandará a campanha? ¿ Te dou dez. Jorge Viana, Marcelo Déda, Aloizio Mercadante, Arlindo Chinaglia, Jaques Wagner, Zeca do PT, Tarso Genro, Fernando Pimentel, Tião Viana e Ricardo Berzoini.

Hoje, quem é mais perigoso adversário do PT? Anthony Garotinho? ¿ É um erro subestimar o Garotinho. Ele é um candidato fortíssimo, pode ir para o segundo turno pelo PMDB. Por que tem que ser o PSDB que vai para o segundo turno? Nós mesmos do PT teremos de lutar para estar lá. Quem tem 15% de votos por três anos no Brasil não pode ser desprezado.

Ainda sobre o PT, o Delúbio tinha tanta independência a ponto de fazer esse acordo com o Valério? ¿ Pelo que nós conhecemos hoje, a conclusão que qualquer cidadão chega é que sim.

Na época, não era o senhor que comandava a campanha? ¿ Quando eu era presidente do PT não houve nenhum problema. Em 1996 e 2000, nas campanhas para prefeito, o PT nacional não se envolveu, pois eu não permiti. Houve mudança feita por Delúbio em 2004.

O senhor acha que isso pode acontecer de novo? ¿ Acho que poderia não ocorrer se o Congresso tivesse feito a reforma política. É preciso financiamento público de campanhas, fidelidade partidária, cláusula de barreira, verticalização das coligações e lista partidária.

Há ressentimento do comportamento de Lula sobre a sua situação? ¿ Ele foi muito solidário comigo. Enquanto fui ministro, me deu apoio.

E agora como militante? ¿ Não sou mais ministro. O presidente não pode ficar me atendendo, não pode ficar me apoiando. Ele tem de governar o Brasil. Eu é que tenho de me defender e ter o mínimo de critério político para entender que o presidente tem problemas demais.

O senhor tem mágoa de alguém? ¿ Não. Ninguém me faltou, ninguém me decepcionou.

O que vai fazer se for cassado? ¿ Idéias tenho muitas. Mas primeiro vou lutar para não ser cassado. Aconteça o que acontecer, quando terminar o processo eu vou gravar (para virar livro) com o Fernando Moraes ¿Os 30 meses na Casa Civil¿.

Lembra-se de tudo? ¿ Lembro. Nunca vivi tão intensamente. Uma das melhores coisas que fiz na vida foi ter participado do governo Lula. Não tenho arrependimento. Acho que eu não faria muita coisa, mas aí é outro departamento.

O que o senhor não faria? ¿ Não falarei sobre isso. Só no livro.