Título: Mensalão, uma farra nacional
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 20/11/2005, País, p. A5

Em Ribeirão Bonito, de apenas 12 mil habitantes, bem no centro do estado de São Paulo, ocorreu uma pequena revolução que começou a ganhar corpo no início deste século, quando um grupo de moradores da cidade uniu esforços para combater, com êxito, os focos locais de corrupção. Da experiência adquirida, além de um know-how hoje compartilhado por mais de 90 cidades, surgiu também uma constatação: vícios e desvios que pontuaram o escândalo do mensalão não são exclusividade dos ares de Brasília: formigam na maioria dos municípios e estados brasileiros. Aquela empresa fantasma inventada para emitir notas frias que justificam gastos exorbitantes com ações inexistentes não é exclusividade dos propinodutos de Brasília, mas sim uma fraude disseminada em todo o país, estimulada pela ausência de controles eficientes. A cartilha criada pelos probos cidadãos da Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito) chama a atenção pela semelhança dos ardis denunciados com as mutretas descobertas pelas CPIs.

- O valerioduto é muito parecido com esquemas que já vigoram em larga escala. Se o dinheiro público é desviado para um político ou para um partido é roubo do mesmo jeito. Ninguém dá verbas ou financia campanhas à toa. Caixa 2 não confere inocência a ninguém. É crime, como muitos outros - alerta o advogado José Chizzotti, associado da Amarribo e um dos autores da cartilha O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil.

Chizzotti, que foi chefe de gabinete de Paulo Brossard no Ministério da Justiça, não tem dúvidas sobre a origem municipal das mazelas que desembocam no Poder Central. Um município - argumenta - é a menor célula política do país. Práticas viciadas que nascem nas cidades - onde o cidadão mora e trabalha - vão contaminando outras esferas de poder até atingir a administração central.

A partir do conhecimento adquirido, Chizzotti traça um roteiro hipotético de condutas reprováveis que hoje se repetem em milhares de cidades brasileiras. Um político, ao se eleger, logo é obrigado a buscar apoio no Legislativo para que projetos de seu interesse tramitem sem problemas. Se é um prefeito, pode oferecer, por exemplo, a um vereador, um contrato para ser o fornecedor exclusivo de combustível para os carros da prefeitura, por meio de uma licitação viciada.

Outros vereadores, em conluio com o prefeito, montam empresas - muitas vezes usando laranjas - para ganhar concorrências direcionadas e se apropriar de outros contratos apetitosos, sempre superfaturados. Parte da verba fica no bolso dos políticos ou é guardada para financiar a próxima eleição. Uma das características deste processo é desviar dinheiro para a perpetuação do grupo dominante no poder.

Chizzotti narra o caso de um contrato para fornecimento de serviços à prefeitura em que o empresário responsável só ficava com metade do valor mensal estipulado. A outra se destinava ao próprio prefeito. Uma variante do esquema do mensalão denunciado em Brasília. Esse assalto ao dinheiro público, sempre em prejuízo do cidadão comum, se eterniza porque a fiscalização é deficiente:

- Deveriam ser rotina procedimentos como o de investigar se existe de fato uma empresa que emite notas para uma prefeitura ou um estado, e até mesmo se não é fajuto o nome da gráfica que aparece na nota - afirma o especialista.

Esses procedimentos, no entanto, não fazem parte da rotina dos tribunais de contas, que apenas analisam os aspectos formais do processo. Os auditores se limitam a verificar se as despesas são justificadas pela prestação de contas correspondente.

No sistema presidencialista, em que o executivo depende do Legislativo, a ação de políticos inescrupulosos se torna mais fácil - analisa Francisco Whitaker, representante da CNBB no Movimento Nacional contra a Corrupção Eleitoral.

- Esses indivíduos já vão para as câmaras ou assembléias dispostos a fazer barganhas e vender caro o seu apoio. Deixam-se comprar por quem tem cargo executivo ou por empresas com interesses a defender. Os que agem com espírito público infelizmente são minoria.

No parlamentarismo, pelo menos - argumenta Whitaker - o poder já é do Legislativo e são menores os traumas por eventuais trocas de quem está em funções executivas.

- O processo de mudanças é demorado. A distorção já começa com os políticos inescrupulosos comprando bem baratinho os votos de parte da população que empobreceu muito nas últimas décadas.