Título: A irmandade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 20/11/2005, Internacional, p. A9
Abu Musab al Zarqawi transformou insurgência iraquiana em fonte de irradiação para atos terroristas em todo o mundo
As evidências deram lugar a certezas. O Iraque já havia se tornado a base para uma nova geração de guerrilheiros, bem treinados na guerra urbana. Agora, esses grupos estendem o campo de batalha além das fronteiras do país. Não por acaso, em Washington, na semana passada, militares da Inteligência estavam reunidos para tentar descobrir se a cúpula da Al Qaeda já teria ou não material nuclear em mãos. Em Dublin, Irlanda, outros agentes americanos procuravam rastrear a base financeira da irmandade terrorista. E em Amã, Jordânia, cristalizava-se a certeza: não é mais de Osama Bin Laden que se deve ter medo, mas do comandante da insurgência sunita, o jordaniano Abu Musab Al Zarqawi. Com ele, o terror ganhou novas cores. O Afeganistão, originalmente, foi o local onde os terroristas treinaram e viveram uma experiência real de combate. Esse tempo acabou. Como diz o presidente americano George Bush, o Iraque é o centro do front. Na comparação, é mais perto, há mais pelo que lutar, tem mais gente, mais dinheiro correndo e uma posição estratégica no coração do Oriente Médio. Assim, se o Afeganistão funcionou como escola, o Iraque é a universidade. - Bin Laden e Zawahiri (o segundo em comando na Al Qaeda) estão seguros em terras afegãs - explica um comandante talibã que atende pelo nome de guerra de Abu Zabilullah. - Mas é em solo iraquiano que os confrontos acontecem, para onde recrutamos e enviamos nossos guerreiros e onde o espírito da jihad (Guerra Santa) se fortalece. Não à toa, o comando suicida que agiu no 11/9 (como está sendo chamado o dia dos atentados em Amã) era formado por iraquianos enviados por Zarqawi. Ao contrário de Osama Bin Laden, o jordaniano também criou e está expandindo células ligadas ou inspiradas em sua personalidade na Grã-Bretanha, França, Espanha, Holanda e até nos Estados Unidos. Mantém em funcionamento uma rede que leva militantes da Itália para morrerem em atentados ou em combate no Iraque. A preocupação dos serviços secretos ocidentais também é ampliada pela certeza de que a rede subterrânea que abastecia a Al Qaeda no Afeganistão se voltou para a inusrgência iraquiana. Uma dessas fontes de arrecadação, pelo menos teria sido identificada: trata-se do jornalista líbio Ibrahim Buisir, editor de uma publicação islâmica, baseado em Dublin, Irlanda. Ele nega qualquer vinculação (''Os americanos estão loucos'', respondeu, quando procurado pela reportagem). Da França, vem a informação de que pelo menos 10 franceses foram capturados recentemente lutando ao lado de Zarqawi. Paris acredita que seja apenas o começo de uma onda. Como afirma o juiz especializado em terrorismo, Jean-Louis Bruguiére, ''o Iraque se transformou no buraco negro que está atraindo todos os elementos radicais na Europa''. A preocupação é amplificada pela constatação de que esses mesmos indivíduos retornam depois aos seus países de origem com muito mais conhecimento e um treinamento militar real. Como o vórtex desse movimento está Zarqawi, um jordaniano que renega a própria origem e que era relativamente desconhecido (do grande público, mas não dos serviços secretos) até a invasão americana contra Saddam Hussein. - Ele era um homem pequeno, com um grupo pequeno, em uma cela pequena - recorda o jornalista Abdalah Aburomman, que, por razões políticas, passou três meses na mesma cadeia perto de Amã que o já perigoso chefe terrorista, em 1996. O chefe da Al Qaeda iraquiana, no entanto, desenvolveu enormes habilidades justamente quando esteve preso. Nascido em 20 de outubro de 1966, seguidor do clérigo radical Abu Mohamad al Maqdisi, o mentor dos terroristas suicidas, Zarqawi (ou Ahmad Fadil al Khalayeh) deixou de ser um delinqüente comum na cidade-favela de Zarqa (daí o nome) ao mergulhar no fervor religioso atrás das grades. Aprendeu, sobretudo, a ter o autocontrole necessário para suportar a dor quando tentou apagar algumas de suas dezenas de tatuagens (o Islã as proíbe) queimando-se com ácido clorídrico. Entre seus lugares-tenentes, o emir é chamado, por isso, de ''o homem verde''. - Discutíamos uma vez sobre o fato de os talibãs terem direito ao assento nas Nações Unidas pertencente ao Afeganistão, quando ele nos interrompeu e perguntou porque queríamos pertencer a uma organização infiel - recorda Aburomman. Os recentes ataques a três hotéis cinco estrelas da capital jordaniana, por sinal, devem ser vistos, além da estratégia de ampliação da guerra, como um acerto de contas pessoal. Zarqawi é um velho conhecido da Inteligência do reino hashemita, a quem conjura pela ''aproximação com os infiéis do Ocidente''. Sua militância o levou a ser trancafiado na prisão de segurança máxima de Al Suwaqah, no meio do deserto. O homem irascível, de liderança desenvolvida a ponto de agrupar as facções islâmicas sob seu nome, mandava na cadeia. O rei Abdullah II, hoje jurado de morte, se arrepende amargamente de ter cedido à pressão da Irmandade Muçulmana e o incluído na anistia geral de 1999.