Título: As potências que repousam no Oriente
Autor: Joseph S. Nye
Fonte: Jornal do Brasil, 20/11/2005, Internacional, p. A10

O presidente George Bush foi à Ásia para participar do Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico (Apec, na sigla em inglês), na China, mas deveria prestar atenção a outra conferência asiática para a qual não foi convidado. Em dezembro, a Malásia será anfitriã de um encontro que exclui deliberadamente os Estados Unidos. De acordo com muitos observadores, a capacidade de exercer a atração da América está se deteriorando na região onde o encantamento, ou o soft power, de outros tem crescido. Os países asiáticos têm impressionantes reservas em potencial para o soft power. A arte, a moda e a cozinha das culturas milenares da Ásia exerceram forte impacto sobre outras partes do mundo durante séculos, mas o continente atravessou um período de relativo declínio quando ficou para trás durante a Revolução Industrial no Ocidente, e isso minou sua influência. Durante os anos 50, a Ásia invocava imagens de pobreza e fome. Houve um breve flerte político entre alguns ocidentais com a Índia de Nehru e a Revolução Maoísta, mas não durou. Como John Lennon cantou em 1968, ¿se você segue carregando retratos do Chefe Mao, não vai conseguir.¿ O renascer da Ásia começou com o êxito econômico do Japão. No fim do século, o desempenho notável do país não só enriqueceu os japoneses, como também fortaleceu seu soft power. Como o primeiro país não-ocidental que se equiparou ao Ocidente em modernidade mostrando que é possível manter uma cultura ímpar, o Japão tem mais reservas em potencial de soft power do que qualquer outra nação asiática. Hoje, é o primeiro do mundo em número de patentes, terceiro em gastos em pesquisas e desenvolvimento como componente do PIB, segundo em vendas de livros e música, e o mais alto índice de expectativa de vida. É sede de três das 25 marcas multinacionais mais fortes do mundo (Toyota, Honda e Sony). A desaceleração econômica que durou uma década nos anos 90 arranhou a reputação japonesa, mas não apagou as reservas de soft power do país. Sua influência cultural no mundo cresceu em áreas que vão da moda, alimentação e música pop a eletrônicos domésticos, arquitetura e arte. Os produtos japoneses ditam as regras no que diz respeito a videogames. O desenho Pokémon é transmitido em 65 países, e a animação é um enorme sucesso entre diretores de cinema e adolescentes em todo o mundo. Resumindo, a cultura popular do Japão ainda estava produzindo reservas em potencial de soft power mesmo depois que o ritmo de crescimento caiu. Agora, com sinais do reaquecimento da economia, o soft power pode crescer ainda mais. Mas há limites. Ao contrário da Alemanha, que repudiou a agressão que impôs ao mundo no passado e se reconciliou com seus vizinhos por força da União Européia, o Japão nunca conseguiu conviver bem com o papel que exerceu nas décadas de 30 e 40. A suspeita que ainda resta na China e a Coréia do Sul, por exemplo, impõe limites ao país, que são reforçados a cada vez que o primeiro-ministro visita o Yasukuni Shrine. O Japão também enfrenta sérios desafios demográficos. No meio do século, existe a possibilidade de a população encolher em 30% a não ser que o país consiga atrair 17 milhões de imigrantes ¿ uma tarefa árdua em uma nação tradicionalmente resistente à imigração. Além disso, o japonês não é um idioma muito falado mundialmente, e a falta de habilidade do povo para falar inglês torna difícil atrair talentos estrangeiros para suas universidades. A cultura nacional permanece na defensiva. Olhando para o futuro, China e Índia são os gigantes da Ásia, com sua população imensa e altas taxas de crescimento econômico. Não somente seu poder militar, ou hard power, está se fortalecendo; há sinais de que suas reservas de soft power estão crescendo também. No ano 2000, o romancista chinês Gao Xingjian ganhou o primeiro Prêmio Nobel de Literatura do país, seguido, no ano seguinte, pelo escritor de origem indiana V.S. Naipaul. O filme chinês ¿O Tigre e o dragão¿ se transformou no mais rentável filme não falado em inglês, e filmes indianos como ¿Casamento debaixo de chuva¿ foram sucessos mundiais de bilheteria. Na verdade, a Bollywood produz mais filmes do que Hollywood anualmente. A lista não acaba. Yao Ming, a estrela chinesa de basquete que joga no Houston Rockets poderia se tornar outro Michael Jordan, e a China está pronta para sediar os Jogos Olímpicos de 2008. Grandes comunidades nos Estados Unidos ¿ 2,4 milhões de chineses e 1,7 milhão de indianos ¿ fizeram crescer o interesse em seus países entre os americanos. Além disso, as conexões internacionais na indústria da informação são estreitas, uma vez que as empresas de alta tecnologia mais e mais contratam parceiros em Bangalore e Shangai para oferecer a seus clientes serviços em tempo real. Mas a verdadeira promessa para a China e para a Índia repousa no futuro. O soft power de um país está na capacidade de atração de sua cultura, no apelo de sua política interna e de seus valores sociais, e no estilo e essência de sua política externa. Nos últimos anos, tanto China quanto Índia adotaram políticas externas que fizeram crescer a atração que exercem em outras nações. Mas nenhum dos dois conseguiu ainda ter altos índices das reservas em potencial de soft power que têm os EUA, Europa e Japão. Enquanto a cultura lhes garante algum soft power, as políticas internas e valores estabelecem limites, particularmente na China, onde o Partido Comunista tem medo de permitir liberdade de expressão intelectual demais e resiste a influências externas. Ambos os países têm uma reputação de terem corrupção no governo. A Índia se beneficia de uma política democrática, mas sofre com um governo exageradamente burocrático. Com relação à política externa, a reputação dos dois países é oprimida pelos problemas de longas disputas por Taiwan e Caxemira. Além disso, nos EUA, a aproximação de uma China autoritária é limitada pela preocupação de que o país pode se transformar numa futura ameaça. O soft power dos países asiáticos, então, está atrás do que têm os EUA, Europa e Japão, mas é mais provável que cresça. Na verdade, se os EUA continuarem a perseguir políticas que não interessam aos outros, podem descobrir que sua ausência na conferência da Malásia em dezembro é o prenúncio de coisas que estão por vir.