Título: ¿O PT está derrotado, mas não morto¿
Autor: Hugo Marques, Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 27/11/2005, País, p. A5
O governo comemorou na semana passada a diminuição do bombardeio da oposição que tinha como alvo a cabeça do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Atrás da costura para que o ministro fosse apenas convidado pela CPI dos Bingos está o vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT-AC). A versão que corria em Brasília, quando havia especulações sobre a saída de Palocci, é que Tião resiste em ser o novo líder do governo, para não acumular a administração de três gabinetes: o de senador, o de líder e o de vice-presidente. Doutor em medicina tropical, 44 anos, Tião dá detalhes do diagnóstico da arrogância que atingiu grande parte dos dirigentes petistas. Nesta entrevista ao Jornal do Brasil, explica parte da estratégia para tirar o PT do atoleiro em que se meteu. Confiante na reeleição do presidente Lula, o senador pelo Acre ¿ onde não foram encontrados rastros do mensalão ¿ acha que a trilha para a reeleição passa por maior comunicação e divulgação do governo petista. O presidente Lula, diz ele, ¿mostra-se inquieto com essa comunicação ainda inadequada¿ do governo.
- O ministro Antonio Palocci, quando for depor na CPI dos Bingos, comparecerá como ministro ou já terá deixado o governo?
- Ele está, no meio da crise, mais fortalecido do que ao entrar nela. Em agosto, quando se abateram sobre ele as denúncias, ele reagiu e saiu-se muito bem. Os articulistas apontaram total credibilidade na defesa que ele fez de si mesmo. O presidente Lula entendeu como correto superar o impasse entre desenvolvimentistas, monetaristas e pelo ajuste fiscal no caso Palocci-Dilma - que é uma divisão real dentro do governo - com um necessário fortalecimento do ministro Palocci.
- Apesar da retórica de confronto, há um nítido ponto de diálogo da oposição com o governo neste instante, em relação ao ministro Palocci. O governador Aécio Neves acha bom que se crie um diálogo, uma agenda.
- Foi um gesto muito auspicioso do governador Aécio Neves quando ele disse o seguinte: a presença do ministro Palocci à frente da economia é muito saudável para o Brasil. Acho que é o entendimento de um político maduro, um homem que entendeu que o PT foi derrotado neste momento da crise. O diagnóstico político que se tem é que o PT foi derrotado, o PSDB vitorioso, o PFL com índices de vitória também. E agora, o PT, na derrota franca, começa um movimento para o qual a própria imprensa abre espaço, defendendo a apuração mais ampla do que o ataque frontal ao partido. Portanto, o PSDB começa a descer os degraus da culpa nesse processo dessa crise política.
- Quando o governo e a oposição fazem um movimento vem a velha tese de que estão preparando uma pizza para salvar alguns, como é o caso do senador Azeredo, pelo PSDB, e outros petistas, como o deputado e ex-ministro José Dirceu.
- Existe uma crise política causada por partidos políticos, onde o principal ator causal chama-se PT. Porque foi dele que estourou todo o conflito de informações e as denúncias se aprofundaram e encontraram alguns culpados. Agora, no meio da crise surgem sentimentos de revanche, de mágoas passadas que são transferidas hoje por alguns partidos da oposição e muitos dos seus líderes para o PT. Podemos estar diante de muitos exageros, de muitos excessos. Não podemos substituir justiça por ódio, por ressentimento e por ataques eleitorais ou eleitoreiros de alguns. O PSDB começou a entender isso porque começou a sofrer alguns ataques também, que julga injustos. O PFL começa a viver um pouco esse cenário. Para nós, hoje, cabe a responsabilidade, a maturidade política e a sensatez de administrar a crise, sem proteger culpados, mas sem fazer disso aqui uma delegacia de polícia e um tribunal de inquisição.
- O senhor então dá razão ao ex-ministro José Dirceu?
- Só se pode cassar o deputado José Dirceu se houver provas. Cassar um homem com a história de vida dele, com a história pública dele, sem provas, me parece temeridade à democracia. É como se pegasse alguém da Inquisição por preconceito e se dissesse: é preciso levar à fogueira.
- O senhor diria que chegamos no marco para haver um entendimento, sem haver proteção, como o senhor falou, mas um marco de convivência institucional e civilizada?
- A crise já está toda eviscerada. Tudo apareceu. Se não apareceu mais é porque oposição e governo não têm competência para mostrar, porque já era para ter aparecido tudo. Não se tem como acobertar com um aparato desses. Só uma consultoria contratada pelo Senado para analisar dados custou R$ 4,7 milhões. Até me surpreende que a imprensa não tenha debatido essa extravagância.
- Pelo que o senhor coloca, o trabalho das CPIs se esgotou?
- Do ponto de vista material e do ponto de vista da análise de dados, já deveria ter se esgotado. Esta semana está mostrando um horizonte. Acho que as comportas da crise já foram todas abertas, já extravasou o que tinha que extravasar. Ou se tem competência, ou não se tem, para analisar e para apresentar os indícios ou as provas. Compete agora, a nós, entender qual é o papel de cada partido aqui.
- Podem ser julgados nas urnas pela em razão da crise?
- Exato, porque a sociedade tem o sentido da análise, da fadiga de material, de entender o que é o oportunismo político. Não tenho dúvida de que o governo do presidente Lula se afirma como um governo que teve a determinação de enfrentar a corrupção. Infelizmente, fomos alvejados na hora da confirmação desse papel de vanguarda nacional. As forças conservadoras do Brasil agora acham que há terreno para uma nova batalha na disputa de poder. O P-Sol me parece ter as críticas corretas sobre as injustiças, as desigualdades, os desacertos, as incoerências, mas ainda tem as teses do século 20.
- Quando o presidente diz que aumentará os investimentos no ano que vem é porque passou três anos economizando e agora vai criar, na prática, um superávit menor. Foi Dilma que ganhou ou Palocci que perdeu?
- Acho que é uma tese que a gente pode dizer que vem de Delfim Netto (PMDB-SP), que é a de que para ter redução sólida de juros é preciso reduzir a dívida. O país tem condições de investir mais do que nos últimos três anos. E isso não precisa ser dado como ato de reprovação por ser um ano eleitoral. Pelo contrário. O Brasil não tem que ficar dependendo da sua política econômica em anos eleitorais.
- É zero a chance de uma aliança do PT com o PMDB no primeiro turno, segundo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
- Pela própria feição do PMDB é isso mesmo. O PMDB que tem Requião, tem Garotinho, tem Germano Rigotto, tem Jarbas Vasconcelos, tem o grupo do Quércia envolvido no processo de disputa eleitoral, vai trabalhar com interesses claros e pessoais de grupos partidários. Nós temos que ter paciência. Vamos buscar esse apoio para o segundo turno.
- O senhor falou que o PT está derrotado no momento atual da crise política. O que precisa ser feito para que saia dessa posição e consiga dar uma reviravolta? O PT e o governo falham na comunicação e na divulgação?
- Não tenho dúvida. Quando você vê um ''Luz para Todos'' se propondo a alcançar 12 milhões de famílias neste país que ainda estão com indicadores do século 19, demonstra que o governo ainda não mostrou talvez o mais belo programa social da história republicana. Quando eu vejo um governo que aumentou em 49% as verbas para a saúde com a inflação de 30%, e ele não mostra isso, prefere uma briguinha do ministro atual com ministros anteriores, mostrando quem fez mais, demonstra que nós estamos errados. O ministro Jaques Wagner trouxe acertos nessa relação com a Câmara, mas no Senado a distância é muito grande. O parlamento é a célula geradora, bastava uma regra de convivência correta, sem nenhum rastro ético. Mas o governo fica preso a teses internas das salas de ar condicionado, dos corredores da burocracia, e se esquece de fazer a boa política.
- Isso não é efeito do assembleísmo da estrutura petista?
- O PT às vezes troca isso, a conquista de um novo espaço de relações institucionais, de regras de convivência da política, por sentimentos como revanche, mágoas passadas. Hoje a relação do PT com o PSDB ainda é muito mais de revanche, erro do PT, do que de uma regra de convivência virtuosa. Ou seja, o que nos une na construção deste país? Vamos fazer isso, deixa o PSDB criticar. Nós não criticamos tanto? Eles têm direito de fazer isso. Quando eu me refiro ao PT derrotado, também me refiro ao PT que não está morto. Resolvida a crise, o PT vai ter espaço para se recuperar.
- O governo começa a falar mais com a imprensa...
- Se eu pudesse traduzir um erro imperdoável da nossa história contemporânea, enquanto dirigentes políticos que estamos no governo hoje, eu diria a soberba. O pecado predileto do satanás, que é a vaidade, impregna muitos dos nossos dirigentes.
- Na Câmara, dizem que o deputado José Dirceu será cassado muito mais pela arrogância e a soberba do que realmente pela corrupção. O senhor concorda? A mesma reclamação pesa sobre outras lideranças.
- Não escolherei alvos para esse tipo de opinião, mas acho que, no nosso horizonte de gestores da governabilidade política e institucional do país, a soberba foi o grande pecado.
- Faltou humildade ao PT, nesses três anos, para construir essa relação?
- Sem dúvida. Quando a soberba se sobrepõe à humildade, o resultado é uma relação de ódio, de ataques e denuncismos, que não é absolutamente virtuoso.
- O senhor falou de denuncismo e também falou de linchamento. Por que o governo apanha tanto no plenário do Senado sem que ninguém o defenda?
- Acho que isso é grave porque a crise trouxe a inibição de muitos parlamentares da base do governo no Senado. Há constrangimento em defender o governo de algumas críticas, o que traria desgaste político. Alguns parlamentares nossos infelizmente são movidos pela opinião pública e não por si mesmos.
- Foi bom para o PT afastar Delúbio Soares, Silvio Pereira etc? Fortaleceu o partido?
- Acho que o PT tinha que ter reagido num primeiro momento com mais clareza. Ter dito: 'Eu peço desculpa ao Brasil pelos erros que cometi, investigarei todos os culpados por essas denúncias e tentarei agir com absoluta isenção e Justiça'.
- As CPIs vão até abril. O presidente Lula acha que tem tempo de superar essa crise e mostrar as realizações?
- Não tenho dúvida de que temos todo o tempo para o presidente ser reconhecido como como estadista que ele é, um líder mundial e um homem que tem muito o que fazer ainda para o país. O fato é que a oposição está declinante como alternativa de poder. Nós tínhamos a prerrogativa do novo e caímos numa armadilha por métodos envelhecidos. Não estou descartando uma aproximação institucional com o PSDB no futuro. Por enquanto estamos disputando poder e isso nos atrapalha muito nessa aproximação. Há uma identidade de visão institucional e de desenvolvimento entre nós e lamentavelmente a crise nos afastou.
- No futuro, pode-se dizer que a ''direita'' do PT vai compor com a ''esquerda'' do PSDB?
- Eu acho que os partidos têm uma concepção programática muito parecida e isso permite a união.