Título: Aposta na retórica radical
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 27/11/2005, Internacional, p. A8

A acusação do presidenciável Evo Morales (Movimento ao Socialismo - MAS) de que os Estados Unidos tomaram da Bolívia o principal elemento de defesa do país, acabou virando a estratégia para esquentar as últimas três semanas de campanha eleitoral. Segundo uma pesquisa de intenção de voto divulgada na sexta-feira, o líder cocalero está seis pontos percentuais (33%) à frente do direitista Jorge Quiroga. Todo voto é crucial, pois reza a Constituição que, na eventualidade de nenhum candidato conquistar a maioria de 50% dos votos mais um, os dois mais votados vão a segundo turno no Congresso, que escolhe o novo presidente.

- A idéia de que os EUA são um inimigo é um recurso eleitoral que encontra respaldo nos eleitores e que diferencia Morales de seus antecessores. Gonzalo Sánchez de Lozada, por exemplo, nem falava espanhol bem, tinha sotaque americano - afirma ao JB José Flavio Sombra Saraiva, professor de Relações Internacionaisda Universidade de Brasília.

Com sua provável eleição, a questão é se Morales vai se tornar um líder no estilo de Hugo Chávez, sem medo de criticar a política externa de Washington.

- Evo é bem diferente de Chávez e Fidel, é mais pragmático. Os EUA se enganam ao colocá-lo no mesmo patamar que ambos - defende o antropólogo americano Robert Albro, da George Washington University. - O que acontece é que, depois dos ataques de 11/9, a política antidrogas dos EUA, da qual a Bolívia é um dos principais alvos, se tornou uma extensão da política antiterror. Logo, um líder cocaleiro é erroneamente visto quase como um terrorista.

Segundo os analistas, caso se torne presidente, Morales vai amansar a retórica radical.

- Sem maioria no Congresso, o MAS vai precisar fazer coalizões e acordos parlamentares para garantir a governabilidade, questão sempre tão volátil na Bolívia - lembra a historiadora Pilar Domingo, da Universidade de Salamanca. (S.M.)