O Globo, n. 32538, 07/09/2022. Política, p. 12

Nota baixa em salários e formação

Bruno Alfano


Em uma conjuntura agravada por causa da defasagem provocada pela pandemia, os brasileiros avaliam que a baixa qualidade do ensino, os salários insuficientes dos professores e o desinteresse dos alunos são os principais problemas da educação pública no país. Para reverter o quadro, a população defende que as escolas preparem melhor para o mercado de trabalho e incrementem os vencimentos dos magistrados. Os dados estão disponíveis em duas pesquisas realizadas pelo Ipec, a pedido do GLOBO — de acordo com os levantamentos, a educação é citada por 28% como o maior problema do país, atrás do desemprego, corrupção e saúde.

As informações disponíveis em avaliações internacionais e nacionais corroboram a análise, já que expõem uma progressão lenta do aprendizado. Nas provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), o país pulou, em leitura, de 396 pontos, em 2000, para 413, em 2018. Já em matemática, foi de 356, em 2003, para 384, em 2018. Houve avanço, é verdade, mas os brasileiros ainda estão no último pelotão.

Aumento de produtividade

Essa situação não tem apenas efeito negativo na vida de milhões de estudantes, que veem seus sonhos ameaçados ou frustrados. Para o país, as consequências também são devastadoras. Em 2018, o economista e pesquisador Eric Hanushek, da Universidade de Stanford, projetou que, se todas as crianças brasileiras completassem o ensino básico em escolas com um mínimo de qualidade, o aumento de produtividade elevaria de forma acentuada o Produto Interno Bruto (PIB), e os salários cresceriam em até 30%.

Ao vocalizar o diagnóstico sobre as dificuldades, a população também expõe o agente que considera mais responsável pela situação: quase metade aponta o Ministério da Educação, enquanto 28% citam os governos locais (estaduais e prefeituras). A execução das políticas públicas de educação envolve os três entes. A Constituição estabelece que os municípios cuidam da educação infantil e da primeira etapa do ensino fundamental, enquanto estados ficam com a segunda fase do fundamental e, prioritariamente, o ensino médio. A parcela da União é coordenar todo o sistema, inclusive por meio de financiamento, além de gerir as universidades federais.

No governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, a atuação do MEC é alvo de intensas críticas feitas por instituições ligadas à educação. Nos últimos quatro anos, a rotatividade de ministros foi alta — Victor Godoy é o quinto a ocupar o cargo, em uma lista que teve Ricardo Vélez, Abraham Weintraub, Milton Ribeiro, além da passagem relâmpago de Carlos Decotelli.

Para o piorar o descompasso com o que as entidades avaliam como o caminho correto para o setor, a pandemia levou ao fechamento de escolas e, sem uma atuação incisiva do governo federal para atenuar a adversidade, a recuperação dos conteúdos tem sido desigual, com estados e municípios sem o devido apoio. No combate à evasão, a situação se repete.

A saída, segundo a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Costin, passa por “estratégias importantes” que já foram criadas no Brasil. Ela cita a criação de uma Base Nacional Comum Curricular (“todos os países entre os 40 melhores do Pisa têm um currículo nacional”); a aprovação da Base Nacional Comum para Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica; e, por fim, a mudança do ensino médio.

Grande aposta

Para cumprir a metade preparar o aluno para o mercado de trabalho, não basta apenas ensinar um ofício, afirmam especialistas. O ensino técnico é um dos cinco itinerários formativos do Novo Ensino Médio.

Nesse modelo, são 1.800 horas de formação básica (em todas as disciplinas) mais 1.200 horas de itinerários formativos, em que os estudantes poderão escolher entre disciplinas eletivas, aprofundamento de uma das áreas de conhecimento e projetos em que os professores trabalham competências socioemocionais.

O modelo é defendido por entusiastas como flexível e com potencial de aumentar o interesse dos jovens. Mas críticos afirmam ser necessário não descuidar dos conteúdos de formação, em especial no caso dos mais alunos pobres.

— Se você acha que uma reforma fica de pé sozinha, é um engano. Se caminharmos de forma desorganizada, desarticulada, sem apoios financeiro e técnico, não teremos o Novo Ensino como foi concebido — avalia Vitor de Angelo, secretário estadual de Educação do Espírito Santo e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação.

O gestor aponta duas frentes. Falta ao Brasil um programa federal robusto para diagnosticar quais são os grandes gargalos da implementação. Além disso, diz o secretário, os estados não têm apoio efetivo para ampliar o ensino integral — outro objetivo do programa.

O Brasil teve, em 2021, quase 1,9 milhão de matrículas em ensino técnico. Em 2014, quando o país tinha 1,8 milhões de estudantes na modalidade, o Plano Nacional de Educação (PNE) estipulou que precisaria passar de 5 milhões.

— A questão-chave é saber as novas configurações do mercado de trabalho. É preciso formar um técnico profissional que aprenda a aprender. Na sociedade do conhecimento, as pessoas precisam de adaptabilidade. Quem se forma hoje provavelmente não trabalhará mais com a mesma coisa daqui a 10 anos — afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques.